Godofredo, pessoa física, de profissão museólogo, mas também auferindo rendimentos de aluguéis de quatro (4) outros imóveis de sua propriedade, buscando aumentar seu patrimônio, resolve investir em compra de mais outro imóvel, em construção, na planta, aproveitando-se da conjuntura econômica então existente. Para isso contrata com a construtora, e incorporadora X, mediante promessa de compra e venda irretratável, a aquisição de unidade habitacional que lhe seria entregue em 30 meses.
Na exata metade do prazo pactuado, instaurada severa crise econômica no País, a construtora e incorporadora X comunica formalmente que o prazo de entrega do imóvel seria ampliado em mais 01 (um) mês. Godofredo, então e após efetuar seus cálculos, conclui que o negócio não lhe daria o retorno financeiro que havia previsto. Fundamentando-se então na comunicação recebida bem como nos termos da Súmula 543 do STJ, exige a imediata restituição de todas as parcelas pagas, corrigidas, ao fundamento de sua condição de consumidor hipossuficiente e de culpa exclusiva da empresa.
A Incorporadora se nega a atendê-lo, sustentando que e por se tratar de empreendimento imobiliário, o contrato celebrado entre partes fica obrigatoriamente regido pela lei 4.591/64 além de possuir caráter de irretratabilidade ( lei 4.591, art. 32, § 2o). Diz anda que e como se cuida de contrato específico, regido por lei da mesma natureza, haveria a impossibilidade de aplicação da lei geral (o CDC) ao caso, pois que a lei no. 8.078/90 se presta exclusivamente àquelas relações que não se enquadrem na especificidade acima.
Pergunta-se:
Sabendo-se que a condição econômica pessoal de Godofredo não foi suscitada pela ré nesta discussão, haverá ou não, aqui, prevalência da lei geral (CDC) sobre a lei especial (lei 4.591/64),
levando-se também em conta os efeitos da cláusula de irretratabilidade do contrato de promessa de compra e venda celebrado entre partes? Justifique.
Súmula 543 - Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
Sim, haverá a prevalência da lei geral (CDC) sobre a lei especial (lei 4.591/64), conforme detalhado abaixo.
A questão em análise refere-se à Resolução ou Resilição unilateral do negócio jurídico, por motivo superveniente à formação contratual (artigo 472 do Código Civil).
Vale mencionar que, apesar de o enunciado informar que se trata de um contrato de compra e venda irretratável e irrevogável (Art. 32, parágrafo 2º, da Lei 4.591/64), os efeitos da irretratabilidade e irrevogabilidade não são aplicáveis ao caso em tela.
Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor, norma de ordem pública e interesse social, com o objetivo de alcançar o equilíbrio contratual entre as partes contratantes em uma relação consumerista, permitiu a denúncia unilateral pelo comprador, tornando, dessa forma, abusiva a cláusula que subtraia ao consumidor a opção de reembolso da quantia paga (Art. 51, II, do CDC).
Nesse sentido, adotando as diretrizes do CDC, o STJ aprovou a Súmula 543, no sentido de que, nos contratos de compra e venda submetidos às regras do diploma protetivo do consumidor, deve o vendedor que provocou o inadimplemento contratual com culpa exclusiva, devolver imediata e integralmente o montante pago pelo comprador.
Diante disso, sabendo-se que a condição econômica pessoal de “Godofredo” não foi suscitada pela ré nessa discussão, há a prevalência da aplicação do CDC e, consequentemente, Godofredo terá direito à restituição imediata das quantias pagas, conforme entendimento da Súmula 543, do STJ.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
16 de Maio de 2018 às 21:27 Liana Queiroz disse: 1
Bonlima, a sua resposta tá excelente e eu acredito que pontuaria bem no espelho da banca e que você garantiria certamente a nota de corte. O desconto de nota em relação à máxima ocorreu porque acredito que era também bem importante enfrentar a questão considerando a aquisição dos imóveis para investimento, que não constitui atividade empresária do adquirente (dizer que não se afasta, por isso, a incidência do CDC, consoante STJ) e, ainda, que a crise econômica não exclui a responsabilidade da construtora pela demora (sobretudo diante da falta de razoabilidade do prazo estentido, fazendo referência ao entendimento a respeito da possibilidade de dilação de prazo de ate 180 dias contratualmente previsto em favor das construtoras), e que a mora, nesse caso, equivale ao inadimplemento contratual. No mais, redação muito clara, com domínio destacado do conteúdo e redação conforme padrão da língua portuguesa.