Ajuizada ação de destituição do poder familiar pelo Ministério Público contra ambos os genitores, foi suspenso liminarmente o poder familiar e o direito de visitas dos pais, bem como determinado o acolhimento institucional das três filhas do casal, com 12, 8 e 6 anos de idade, vítimas de suposto abuso sexual praticado de forma reiterada pelo pai, com a conivência da mãe. Diante do caso, responda às independentes indagações abaixo:
Hipótese 1:
Ciente desta decisão, a avó materna, que era próxima das meninas e com elas mantinha vínculos de afinidade e afetividade, interessada em cuidar das infantes, postulou, judicialmente, o cuidado das netas.
Sob a ótica dos institutos relativos à colocação das crianças e adolescente em família extensa ou substituta, discorra sobre a solução jurídica adequada ao caso. Em sua fundamentada resposta, analise e contextualize os referidos institutos, descrevendo as principais características e hipóteses de aplicação de cada um deles.
Hipótese 2:
No transcurso do processo de destituição do poder familiar não foi localizado integrante da família extensa ou ampliada interessado em cuidar das infantes. Julgado procedente o pedido de destituição do poder familiar dos pais, as três irmãs foram adotadas por um casal. Quatro anos depois, os pais adotivos divorciaram-se e não possuem consenso quanto à proteção das filhas, uma vez que ambos almejam para si a guarda delas. A mãe, professora municipal, continuará residindo em Florianópolis, onde as crianças e a adolescente estudam, e o pai, empresário da construção civil, mudou-se para a cidade chamada Palhoça, que fica a aproximadamente 20 km de distância da residência da mãe. Procedidos aos estudos social e psicológico, bem como inquiridas testemunhas em audiência, todas as provas indicam que tanto o pai quanto a mãe estão aptos ao exercício do poder familiar.
Diante desse quadro, e da recente orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, qual a solução sobre a modalidade de guarda e deveres a ela inerentes indicada ao caso, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Civil? Discorra sobre as modalidades de guarda, contextualize e aponte as diferenças entre elas e os requisitos para a aplicação de cada uma.
- Hipótese 01:
O direito à convivência familiar é garantia constitucional prevista no art. 227, caput, da CRFB/88, que somente pode ser restringida em situações excepcionais e devidamente fundamentadas. Além disso o art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente preceitua que é direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta.
No caso em apreço,a avó materna das crianças e da adolescente, integra a denominada família extensa, que de acordo com o art. 25, § único do ECA, é aquela que que se estende para além da unidade de pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou o adolescente convive e mantém vínculos de afetividade e afinidade.
A família extensa, se diferencia da família substituta uma vez que a segunda passa a substituir a família biológica de uma criança ou adolescente, quando esta não pode, não consegue ou não quer cuidar desta criança/ adolescente. Vale destacar qu a família substituta pode ser constituída por qualquer pessoa maior de 18 anos, de qualquer estado civil, e não precisa obrigatoriamente ter parentesco com a criança ou adolescente. Desta forma, a inclusão das menores em família substituta será possível quando restar verificada a impossibilidade de manutenção destas no seio de sua família natural ou extensa.
Além destas duas modalidades de família acima mencionadas, é imperioso ressaltar que existem outras diversas outras formas familiares abrigadas pelo ordenamento jurídico brasileiro e reconhecidas pelos tribunais superiores, tais como: família monoparental (formada por qualquer dos pais e seus descendentes, art. 226, §4º da CRFB/88); família anaparental (que segundo a Doutrinadora Maria Berenice Dias é a baseada na convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito); família homoafetiva (composta por pessoas do mesmo sexo), dentre outras, cabendo ao juiz, no caso concreto, optar pela espécie de família que melhor atenda ao interesse do menor.
Neste diapasão, o art. 28, §3º do ECA estabelece que, na apreciação do pedido de colocação em família substituta, deve levar-se em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências da medida.
Assim, no caso em tela e de acordo com entendimento dos Tribunais superiores, a guarda das menores, deve ser deferida a avó materna, pois além de compor a denominada família extensa, esta possui laços de afinidade e afetividade com as menores, o que resguarda os vínculos familiares, aassegura a garantia constitucional da convivência familiar e prioriza o melhor interesse das crianças e da adolescente envolvidas na questão.
- Hipótese 02:
A guarda é instituto previsto tanto no arts. 33 e seguintes do ECA, bem como no art. 1583 do CC/02, que destina-se a regularizar a posse de fato do menor e obriga à prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente. Existem quatro espécies de guarda, sendo duas expressamente previstas no código civil e as outras duas decorrentes de criação doutrinária. São elas:
a) Guarda Unilateral: Prevista no art. 1583, §1º, primeira parte do CC/02, consiste na guarda atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua. Vale destacar que, de acordo com o §5º do art. 1583, a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.
b) Guarda Compartilhada: Originária do Common Law do direito inglês e prevista no art. 1.583, §1º, segunda parte do CC/02, consiste na responsabilização conjunta e no exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. É a guarda considerada mais recomendável, eis que possibilita aos filhos a convivência com ambos genitores, que, por sua vez, repartem as responsabilidades daí decorrentes. Ressalta-se que nessa modalidade de guarda, apesar de tanto o pai como a mãe possuírem a guarda, o filho mora apenas com um dos dois.
c) Guarda Alternada: Criação Doutrinária. Ocorre quando o pai e a mãe se revezam em períodos exclusivos de guarda, cabendo ao outro direito de visitas. Segundo a doutrina, essa modalidade de guarda não é recomendável, pois pode trazer confusões psicológicas ao menor, bem como fazer que este perca seu referencial de lar.
d) Guarda Aninhamento/ Nidação: Também criação doutrinária, é o oposto da guarda alternada, eis que o menor permanece em um lar fixo, e os genitores que se alternam, mudando-se para a casa em que se encontra a criança/ adolescente. Passa a ideia de que o filho permanecerá no mesmo ninho (mesmo lar) e os seus pais é quem se revezarão em sua companhia.
Vale destacar que o ideal é que a guarda seja compartilhada, conforme estabelecido no art. 1584, §1º do CC/02, podendo esta inclusive ser decretada compulsoriamente pelo juiz em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai ou a mãe (art. 1584, II do CC/02).
No caso em apreço, mesmo não existindo consenso entre os genitores, deve ser fixada a guarda compartilhada. Referido entendimento se justifica na medida que o art. 1.584, § 2º do CC/02 preceitua que quando não houver acordo entre o pai e a mãe quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar - situação verificada no caso em comento - será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
Ademais, o STJ entende que a simples animosidade entre os genitores e suas diferenças de ponto de vista sobre a criação dos filhos não são impedimento para a fixação da guarda compartilhada, que, ainda de acordo com o Tribunal da Cidadania, somente deixará de ser aplicada quando houver inaptidão de um dos ascendentes para o exercício do poder familiar, fato que deverá ser declarado, prévia ou incidentalmente à ação de guarda, por meio de decisão judicial ou se um deles declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor, caso em que será deferida a guarda unilateral. Há ainda, corrente no STJ que entende que peculiaridades do caso concreto podem servir como argumento para que não seja implementada a guarda compartilhada. Ex: dificuldades geográficas.
Portanto, no caso em tela, considerando-se que ambos o s genitores estão aptos a exercer o poder familiar, a guarda deve ser fixada de maneira compartilhada, estabelecendo-se Florianópolis como cidade considerada base de moradia das filhas, porquanto melhor atende aos seus interesses (§ 3º do art. 1.584), mormente quando as menores já estudam no mencionado local.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
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