A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem ampliado a chamada "modulação dos efeitos" da pronúncia de inconstitucionalidade da lei. Analise a compatibilidade de tal prática para com o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, assim como o momento adequado e a legitimidade para a sua provocação, bem como a sua aplicabilidade às leis que instituem ou majoram tributos.
A Constituição Federal de 1988 determina no seu artigo 102, parágrafo 2º que "as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal." Somado à determinação constitucional, com o advento da Lei nº 9.868/1999, o legislador introduziu no sistema jurídico pátrio o instrumento da modulação de efeitos, instituto jurídico utilizado pelo Supremo Tribunal Federal inicialmente somente no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, Ações Diretas de inconstitucionalidade por omissão e Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade. O artigo 27 da Lei nº 9.868/1999 determina que, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, se a Suprema Corte estiver diante de caso de excepcional interesse social ou por razões de segurança jurídica, poderá, pelo voto de 2/3 de seus Membros, estipular que a declaração de inconstitucionalidade passe a ter seus efeitos não retroagindo ao nascedouro da lei, mas sim de outro marco delimitado pelo próprio STF. Considerando que, se uma lei ou ato normativo foi declarado inconstitucional e não sofreu o chamado "processo de inconstitucionalização" (quando os parâmetros da própria sociedade mudam, de modo que as normas constitucionais se adequam à ela e as normas infraconstitucionais passam a não ter mais sentido), ela deve ser declarada inconstitucional desde a sua origem, a ficção da modulação de efeitos poderia ser considerada uma aberração jurídica. Tanto é assim que, tão logo promulgada a Lei nº 9.868/99, sobreveio Ação Direta de Inconstitucionalidade arguindo a consonância do próprio artigo 27 da referida lei com a Constituição Federal. Contudo, tal ação - que já teve seu julgamento inciado - permanece concluso com MInistro após pedido de vista. Prosseguindo, conforme já referido, inicialmente o instituto da modulação de efeitos era utilizado tão somente para ADI, ADC e ADI por omissão. Com a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, passou-se a aceitar a modulação de efeitos também para as demais ações de controle concentrado de constitucionalidade (ADPF, por exemplo). Ainda, com o passar dos anos a Suprema Corte passou a aceitar também a modulação de efeitos em julgamentos de declaração de inconstitucionalidade proferidos em sede de controle difuso. Cumpre referir que, com a recente decisão do Plenário do STF aceitando a "teoria da abstrativização do controle difuso", todos os instrumentos utilizados em sede de controle concentrado de constitucionalidade também podem ser aplicados ao controle difuso. Apenas aqueles que compõem a ação objetiva podem provocar a referida discussão acerca da modulação de efeitos, o que é comumente desenvolvida no julgamento dos embargos de declaração (recurso que complementa o acórdão proferido no julgamento principal). Não podem os demais legitimados para propositura das ações constitucionais objetivas incitarem o pedido de modulação de efeitos porque podem manifestar-se (com a juntada de documentos, inclusive), somente até o julgamento do feito. Ademais, dada a redação do art. 27 da Lei nº 9.868/99, os próprios Ministros integrantes do Supremo Tribunal Federal podem provocar a modulação, mesmo que as partes se mantenham silentes (contanto que presentes um dos requisitos: em nome da segurança jurídica ou de excepcional interesse social). No que diz respeito especificamente às leis que majoram ou instituem tributos, a modulação de efeitos pode ser considerado excelente instrumento para estabilizar a ordem jurídica. Em que pese a sensação de insegurança jurídica que pode passar aos contribuintes - que se viram compelidos a recolher tributo posteriormente declarado inconstitucional - a não modulação de efeitos nestes casos resultaria em uma enxurrada de ações judiciais que colocariam em xeque a ordem no Poder Judiciário. Ademais, como a Fazenda Pública tem sistemática complexa no que diz respeito ao pagamento de suas dívidas (devendo inscrevê-las em Precatório ou Requisição de Pequeno Valor, sendo que o pagamento deve estar previsto no orçamento do ano seguinte), a não modulação de efeitos nestes casos poderia gerar caos também nas contas públicas, prejudicando toda a coletividade (já que, por exemplo, o dinheiro dos impostos é utilizado para a manutenção da subsistência do Estado como um todo, sem destinação específica). No entanto, conforme já alertou o próprio Supremo Tribunal Federal no julgamento de casos envolvendo a matéria tributária, a medida de modulação de efeitos deve ser utilizada com muita cautela, devendo constituir-se em medida excepcional, já que se tornando-se regra poderia fomentar a prática do legislador em instituir tributos inconstitucionais apenas para encher os cofres públicos ou sanar as dívidas, sem temer qualquer tipo de consequência posterior. Sendo o contribuinte a parte mais fraca da relação e, considerando-se que o Estado que institui os tributos é o mesmo que o recolhe, os julgamentos de inconstitucionalidade em matéria tributária devem sempre ser dedicidos com muita cautela (assim como todos os outros), não podendo pender sempre para o lado do Estado.
Resposta muito boa. A maioria dos pontos exigidos na questão foi abordada. No entanto, para a resposta ficar ainda mais completa seria interessante fazer menção à Lei 9.882/99; deixar explicitado que a legitimidade específica para modulação dos efeitos pode ser feita pelos seguintes sujeitos: ex offico pelo Relator, por qualquer julgador (componente do STF ou das outras instâncias), pelo MP, AGU e demais partes do processo, incluindo o amici curiae (se existente).
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
11 de Abril de 2018 às 08:51 MARIANA JUSTEN disse: 0
Fer!!! Vc escreve muito! Quanto conteúdo! Maravilhosa a sua resposta!
Levando em conta a resposta esperada pela banca, quanto à compatibilidade, faltou você mencionar sobre a lei 9882/99.
O momento adequado para o reconhecimento da modulação: Enquanto não transitou em julgado o acordão é possível a modulação. O STF admite a análise da modulação do mérito da questão constitucional suscitada em embargos de declaração.
Quanto à legitimidade para suscitar a modulação, a lei é omissa. Assim, ela poderá ser suscitada de ofício tanto pelo Relator quanto por qualquer outro julgador (STF ou julgadores de demais instâncias), assim como pelos demais atores da relação processual, como o Ministério Público, a AGU e eventuais amici curiae.
No que se refere à modulação da questão tributária, muiiiito legal a sua fundamentação!!!!Essa modulação deve ser excepcionalíssima, na medida em que a conduta de permanente modulação de inconstitucionalidade de leis que instituem tributos por mero argumento de "prejuízo ao Erário" termina por incentivar a produção de leis inconstitucionais e premiar o Estado por sua própria torpeza, gerando enriquecimento estatal às custas do sacrifício de direitos fundamentais do contribuinte.