Sentença
Justiça Federal
TRF/5 - XIII Concurso para Juiz Federal Substituto do TRF da 5ª Região - 2014
Sentença Cível

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Enunciado Nº 000483

RELATÓRIO


Trata-se de ação movida pela Sra. Maria, devidamente qualificada nos autos e representada pela Defensoria Pública da União, beneficiária da gratuidade judiciária, em face do INSS, União e município de João Pessoa/PB, que aduz, em síntese, ser aposentada por tempo de contribuição desde 12 de setembro de 2003, pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), junto ao primeiro demandado, no caso, o INSS, na qualidade de serviços gerais (faxineira), empregada urbana, percebendo atualmente o benefício no valor de R$ 932,00.


A autora informa ter atualmente 63 anos de idade, ser solteira e residir sozinha no município de Cabedelo, região metropolitana de João Pessoa, sendo diagnosticada, em agosto de 2013, como portadora de Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN), doença grave e rara, que ataca o sangue, causando decomposição acentuada dos glóbulos vermelhos (hemólise), principalmente no período noturno, do que decorre urina escura ao amanhecer, razão pela qual está instalada e sob os cuidados diários, há 5 meses, em João Pessoa, em uma representação local de ONG nacional, que promove o acompanhamento e a assistência de pessoas portadoras de HPN.


Maria aduz que a falta de tratamento pode desencadear outras enfermidades, como anemia, trombose, insuficiência renal crônica, hipertensão pulmonar, insuficiência hepática e acidente vascular cerebral (relatório médico do anexo digital n.º 3), e que está acometida por um estado depressivo grave (transtorno misto ansioso depressivo com episódio depressivo grave), o qual advém do risco de letalidade da doença e da ineficiência do tratamento ofertado pelo SUS, único a que vem se submetendo (relatório médico do anexo digital n.º 3).


Nesse ponto, Maria enfatiza que o único tratamento curativo para HPN é o transplante de medula óssea alogênico (TCTHa), o que se comprovou absolutamente vedado no seu caso, ante os riscos decorrentes da idade, estágio da doença e gravidade do procedimento, conforme atestados colacionados aos autos (documento digital n.º 4), inclusive dos médicos que a acompanham desde o diagnóstico, junto ao Centro de Hematologia São Pedro e Hospital Santa Cruz, instituições públicas municipais de saúde desta capital paraibana.


Por sua vez, o tratamento paliativo ofertado pelo SUS a que se submete é feito por meio da reposição de ferro e ácido fólico e de transfusões sanguíneas, o que vem ocorrendo semanalmente em João Pessoa, trazendo, além de grande sofrimento, outros graves riscos a sua vida, além de não controlar efetivamente o agravamento da patologia e ensejar o comprometimento dos órgãos vitais (laudo médico, documento digital n.º 5), de modo que o único tratamento específico para o seu caso, conforme laudos que apresenta, é o fármaco emolizadene-hemattium, que impede que ocorra a hemólise (perda dos glóbulos vermelhos). Essa droga, de custo elevado, não é comercializada no país, não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e não é distribuida pelo SUS.


Relata a peça de postulação que a droga foi aprovada, conforme reconhecido pela própria ANVISA, nos Estados Unidos da América e na Europa, pelos notoriamente exigentes critérios do FDA (Food and Drug Administration), órgão responsável pelo controle de alimentos e medicamentos naquele país, e da EMEA - Agência Europeia de Medicamentos, esclarecendo que não se cuida de tratamento experimental, mas de tratamento novo, apenas ainda não avaliado, nem, consequentemente, aprovado no Brasil.


Apresenta dois laudos periciais que evidenciam a insuficiência do tratamento ofertado pelo SUS, ao seu caso, quanto à doença HPN e a necessidade da adoção do medicamento 'Emolizadene - Hemattium', comprovadamente eficaz para a enfermidade em causa, bem ainda a sua total incapacidade para a prática de atos laborativos, bem como os atos da vida diária sem o auxílio permanente de terceira pessoa, inclusive para a administração dos medicamentos, razão pela qual, inclusive, relata a autora não mais ter retornado para a sua residência, encontrando-se, atualmente, com sérias dificuldades de locomoção, recolhida a um leito de cama, em uma casa de assistência da referida ONG, localizada na capital paraibana.


No tocante ao estado depressivo grave, alega a autora que, embora o medicamento que lhe é fornecido pelo SUS (fluoxetene) tenha demonstrado resultados satisfatórios no controle da patologia, há no mercado brasileiro o medicamento venblafaxene-efenxa, que, embora registrado na ANVISA, não é fornecido pelo SUS. Esse medicamento traria maior conforto, na medida em que, além de ser ministrado em apenas uma cápsula diária, reduziria os efeitos de sonolência, náusea e cefaleia decorrentes do uso do fluoxetene.


No que tange ao INSS, entende ser-lhe devido, pela autarquia previdenciária, desde a data de concessão de seu benefício, o adicional de 25% do valor da aposentadoria da autora, conforme previsto na Lei de Benefício da Previdência Social (LBPS), na medida em que, em decorrência de ambas as patologias, necessita, comprovadamente, da assistência permanente de outra pessoa.

Ao final, a autora postulou:


a) a condenação da União e do município de João Pessoa à obrigação de fornecer-lhe o medicamento emolizadene-hemattium, para o tratamento da HPN, na dosagem-quantidade indicada pelos médicos que a têm acompanhado (laudo do anexo digital n.º 6), e o medicamento venblafaxene-efenxa, para o tratamento da depressão, também na dosagem-quantidade indicada no referido documento, enquanto perdurar o tratamento, a ser aferido, periodicamente, mediante relatório circunstanciado dos médicos que a acompanham, deferindo-os em antecipação de tutela, haja vista a presença dos requisitos legais, com a imposição de multa coercitiva por dia de atraso;


b) a condenação do INSS à implantação imediata do acréscimo de 25% do valor de sua aposentadoria, bem como ao pagamento dos valores atrasados desde a data da concessão do seu benefício, com juros e correção monetária.


Por fim, a autora instruiu a inicial com documentos pessoais e atestados médicos (documentos digitais 2 a 8).


Em decisão interlocutória (documento digital n.º 9), foi deferida a antecipação de tutela para o pagamento do acréscimo de 25% do valor de sua aposentadoria e o fornecimento imediato do medicamento efenxa para o tratamento da depressão, o que vem sendo cumprido desde então, e postergada a apreciação do pedido quanto ao medicamento hemattium, indicado para o tratamento da HPN, em momento ulterior à apresentação do laudo médico-pericial e das oitivas de médico especialista indicado pelo juízo e do médico-chefe da equipe que acompanha a autora.


A União, em sua contestação (documento digital n.º 10), aduz, primeiramente, ser tempestiva a sua peça de defesa, visto que a petição inicial foi protocolada em 11 de fevereiro de 2015 e a sua manifestação foi apresentada em juízo em 10 de março do corrente ano. Invoca, em preliminar, a impossibilidade de cumulação de demandas, por se tratar de réus distintos, nos termos do art. 292 do CPC, de modo a pugnar pela não apreciação dos pedidos contra si formulado. Alega, ainda, a sua ilegitimidade passiva, na medida em que os valores relativos à aquisição de medicamentos são repassados, por força de lei, integralmente aos municípios, os quais, por dever legal próprio, devem adquiri-los e distribuí-los à população, conforme suas políticas de saúde.


No mérito, a União invoca primeiramente a violação ao princípio da separação dos poderes, ante a impossibilidade de o Judiciário imiscuir-se em políticas públicas de saúde, bem como o entendimento de que o direito à saúde, embora previsto no art. 196 da CF-88, depende da sua concretização e efetivação por meio dos preceitos da legislação ordinária, por tratar-se de norma de cunho estritamente programático, não ensejando, portanto, o reconhecimento imediato de direito subjetivo do cidadão em face do Estado.


A União sustenta a aplicação da cláusula da reserva do possível, na medida em que a realização dos direitos sociais depende dos meios e recursos financeiros disponíveis, e alerta para o alto custo dos medicamentos em questão, que, no caso da autora, ensejará um gasto aproximado de R$ 400.000 por ano.


Aduz ainda que não há registro, na ANVISA, do medicamento hemattium, objeto da ação, ou seja, não foi submetido à análise criteriosa quanto à segurança, eficiência e qualidade, de modo a ficar, portanto, configurado o risco sanitário e consequentemente a vedação da importação e posterior entrega ao consumo, conforme dispõe a Lei n.º 6.360/73. Ademais, o fato de um determinado medicamento ser registrado em outro país não confere garantia suficiente quanto à segurança, eficiência e qualidade do referido medicamento, uma vez que os critérios utilizados para a obtenção do registro não são idênticos aos adotados pela legislação sanitária brasileira, que se vincula a protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas próprias, insusceptíveis de questionamento judicial, sob pena de ingerência indevida do Poder Judiciário nos critérios adotados pela administração pública em sua política de saúde.


A União informa da existência de política pública de saúde para a HPN, consistente nas transfusões de sangue e no fornecimento de ferro e ácido fólico, sendo certo, no seu dizer, que, se no caso específico e pontual da autora, tais tratamentos não demonstram a eficácia esperada e o transplante de medula óssea não é indicado, não pode o ente público arcar com um tratamento custoso e diferenciado, fora dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas adotados pelo SUS.


Por fim, com relação ao medicamento fluoxetene, fornecido à autora pelo SUS para o tratamento da depressão, a União alega que a própria demandante reconhece a sua eficácia, não devendo, portanto, acolher a sua postulação, na medida em que o medicamento postulado (efenxa), além de não ser adotado pelo SUS, implicaria gasto desnecessário para o poder público, em ofensa ao princípio da proporcionalidade, visto que o seu custo mensal seria na ordem de R$4.000 por mês, em contraposição ao fornecido pelo SUS, em torno de R$500 por mês, pois ambos detêm a mesma eficácia comprovada. Pugna a União, ao final, pela improcedência de ambos os pedidos e a consequente condenação em honorários advocatícios. Nesse sentido, a União juntou documentos (11 a 15).


Em sua contestação (documento digital n.º 16), o município de João Pessoa, preliminarmente, invoca sua ilegitimidade passiva, na medida em que a autora é residente do município de Cabedelo, devendo ser esta a edilidade a estar no polo passivo da demanda, e rebate, ainda, a preliminar da União de que seria o responsável exclusivo pela política de fornecimento de medicamentos do SUS. No mérito, em suma, o município replica e adota os mesmos fundamentos apresentados pela União, e pugna pela improcedência de ambos os pedidos e pela condenação da verba sucumbencial em seu favor.


O INSS, por sua vez, contesta o feito (documento digital n.º 17), ao alegar também, preliminarmente, a impossibilidade de cumulação dos pedidos, razão pela qual o pedido contra si formulado não deve ser apreciado. Invoca ainda a falta de interesse processual, ante a ausência de prévio requerimento administrativo, e requer a sua exclusão do feito e o consequente não enfrentamento do pedido. O órgão aduz ainda ter-se operado a decadência do direito à revisão do benefício, visto que já transcorreram mais de dez anos entre a data da sua concessão e o ajuizamento da demanda.


No mérito, embora reconheça expressamente que, diante do quadro fático comprovado nos autos, a autora careça efetivamente do auxílio e acompanhamento de terceira pessoa, afirma que a Lei de Benefícios da Previdência Social não ampara o pleito da exordial, na medida em que não está previsto tal direito de incremento de 25% do benefício aos aposentados por tempo de contribuição, de modo que estendê-lo à autora seria conferir benefício a quem a lei não o fez. Com isso, pugna pela improcedência do pedido contra si formulado.


Determinada a realização de prova pericial, as partes apresentaram seus quesitos, os quais, juntamente com os deste juízo, foram devidamente respondidos por intermédio do laudo pericial juntado aos autos (documento digital n.º 20). Em audiência, foram colhidos os depoimentos de médico especialista na patologia HPN e do médico-chefe da equipe que acompanha a autora desde o diagnóstico da doença.


Após manifestação das partes acerca das provas, os autos foram conclusos para a sentença.


Em face desse relatório, considerando comprovadas nos autos as alegações fáticas da autora, redija a sentença, dando solução ao caso. Analise toda a matéria de fato e de direito pertinente para o julgamento e fundamente suas explanações. Dispense ementa e não crie fatos novos.

Resposta Nº 003928 por Pablo Mehret Pires


2. Fundamentação

         Inicialmente, reputo tempestiva a contestação apresentada pela União, devido ao direito de prazo contado em dobro assegurado ao ente político para as suas manifestações processuais (art. 335 c/c art. 183, ambos do CPC/2015).

         A contestação foi apresentada antes do transcurso de 30 dias, contados da intimação pessoal da ré.

 

2.1 Preliminares e prejudiciais de mérito

2.1.1 Impossibilidade da acumulação subjetiva de demandas

Em que pese a previsão expressa no CPC (art. 327) da possibilidade de acumulação de pedidos em um processo contra o mesmo réu, a doutrina e a jurisprudência, em atenção aos postulados constitucionais de economia e celeridade processual, admitem a cumulação de pedidos em um mesmo processo contra réus distintos (cumulação subjetiva de demandas) quando há competência do juízo para o julgamento das demandas cumuladas.

Este juízo tem competência para julgar ações em face da União e do INSS (art. 109, I, da CF/88), pelo que rejeito a preliminar em apreço.

 

2.1.2 Ilegitimidade passiva da União para o fornecimento de fármacos

         A preliminar em tela não merece acolhida. Há um dever solidário entre os entes federados de promoção da saúde (art. 196, da Constituição). Em virtude dessa obrigação solidária, os tribunais pátrios entendem caber ao indivíduo que pretende uma prestação relacionada à saúde acionar judicialmente qualquer dos entes políticos ou mais de um deles em litisconsórcio passivo facultativo.

         As questões de índole orçamentária devem ser resolvidas posteriormente entre os entes federados administrativamente, com ressarcimento de eventuais despesas suportadas por um ente que na verdade seriam devidas por outro. O indivíduo que pleiteia uma prestação de saúde não pode ser prejudicado por conflitos internos do Poder Público quanto à qual ente tem o deve de proceder à prestação solicitada.

 

2.1.3 Ilegitimidade passiva do município de João Pessoa

         O município de João Pessoa alega a sua ilegitimidade para a presente demanda, na medida em que a autora é residente no município de Cabedelo, devendo esta edilidade ocupar o polo passivo da demanda.

         Rejeito a preliminar em apreço, porquanto quando proposta a ação a autora já estava, há 5 meses, instalada e sob os cuidados de uma ONG situada em João Pessoa. O Código Civil brasileiro alberga a pluralidade de domicílio (art. 71), situação aplicável a autora da presente ação.

 

2.1.4 Falta de interesse processual quanto ao pedido de natureza previdenciária

         O INSS alega a falta de interesse processual da autora quanto ao pleito de acréscimo de 25% no valor de sua aposentadoria por carecer de auxílio permanente de terceira pessoa.

         Realmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) em repercussão geral fixou tese de que o prévio requerimento administrativo é condição necessária para se pleitear um benefício previdenciário perante o Poder Judiciário, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito por falta de interesse de agir (art. 17 c/c art. 485, VI, ambos do CPC de 2015).

         Todavia, a Corte Suprema excepcionou a exigência de prévio requerimento administrativo em algumas hipóteses, entre elas no caso de notória posição contrária da autarquia previdenciária quanto à pretensão do segurado. Essa exceção aplica-se ao em tela, pois é firme a tese institucional do INSS contra a concessão do acréscimo à aposentadoria diversa da aposentadoria por invalidez.

         Assim, rejeito a preliminar sob exame.

 

2.1.5 Decadência do direito de revisão

         A decadência prevista no art. 103, “caput”, da Lei n. 8.213/1991 refere-se tão somente aos critérios aritméticos para o cálculo da renda mensal inicial do benefício, o fundo de direito não é alcançado pela decadência.

         No caso em tela a autora não postula mera revisão da RMI do seu benefício, mas sim a concessão de acréscimo em virtude de fato superveniente (necessidade de auxílio permanente de terceira pessoa). O fundo de direito (acréscimo) pretendido não é alcançado pela decadência.

 

2.2 Mérito

2.2.1 Pleito de concessão do medicamento “Emolizadene-Hemattium”

         A autora comprovou nos autos estar acometida pela doença Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN), doença grave que pode desencadear outras enfermidades, como anemia, trombose, insuficiência renal crônica, hipertensão pulmonar, insuficiência hepática e acidente vascular cerebral (relatório médico do anexo digital n. 3).

         Foram juntados aos autos laudos que evidenciam a insuficiência do tratamento ofertado pelo SUS ao caso da autora, quanto à doença de HPN.

         Por força do art. 196, da Constituição Federal, julgo procedente o pedido em análise de concessão do medicamento “Emolizadene-Hemattium”. Para melhor fundamentação do deferimento, passo a análise e refutação das teses defensivas.

         O dever do Poder Público de promoção da saúde e de prestações para a sua melhoria insculpido na Constituição (art. 196 e seguintes) não pode ser tido como norma programática, sem aplicação imediata como pretende a defesa.

Pelo princípio da força normativa da Constituição, os direitos fundamentais constitucionalmente elencados tem aplicação imediata (art. 5º, § 1º, da CF/88), gerando direitos subjetivos aos seus titulares cuja tutela independe de regulamentação legislativa ou executiva infraconstitucional.

Pode o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a prática de atos tendentes a cessar a violação de direitos fundamentais violados por omissões deste último Poder. Se direitos assegurados pela legislação infraconstitucional violados pelo Poder Público merecem tutela judicial, ensejando, por exemplo, a responsabilização objetiva do Poder Público (art. 37, § 6º), quanto mais os direitos fundamentais estampados na Carta Magna.

A implementação pela via judicial de direitos fundamentais não configura violação à separação dos poderes, mas sim a tutela de direitos subjetivos violados em estrita observância a inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal). Ao assim agir o Judiciário não se imiscui em políticas públicas de saúde, mas sana omissões do Poder Público.

A cláusula da reserva do possível, ante os altos custos do fármaco, genericamente alegada não é suficiente para a negativa da concessão do fármaco pleiteado. Os réus não trouxeram dados suficientes para demonstrar a insuficiência de recursos para a aquisição do medicamento.

Em uma apreciação abstrata, prevalece sobre a cláusula da reserva do possível o princípio da dignidade da pessoa humana, e seu corolário da garantida do mínimo vital, sendo razoável e proporcional a determinação de concessão do fármaco.

Embora exista no SUS protocolo clínico para o tratamento da doença de que fora acometida a autora, tal protocolo mostrou-se insuficiente, porquanto o tratamento curativo previsto no SUS (transplante de medula) é absolutamente vedado ao caso da autora (documento digital nº 4); o tratamento paliativo (reposição de ferro e ácido fólico e de transfusões sanguíneas) a que a autora está submetida causa-lhe grande sofrimento, traz graves riscos a sua vida, não controla o agravamento da doença e compromete os seus órgãos vitais (laudo médico, documento digital nº 5).

Portanto, em síntese, o tratamento ofertado à autora pelo SUS é insuficiente.

Por fim, a falta de registro na ANVISA, de fato, em regra, obsta a concessão de medicamento (Lei n. 6.360/1973); não obstante, no caso concreto em julgamento a vedação legal merece ser mitigada em proteção à vida da autora, porquanto o medicamente pleiteado não pode ser caracterizado propriamente como tratamento experimental, mas sim como tratamento novo, apenas ainda não avaliado, e consequentemente, aprovado no Brasil.

Caracteriza tratamento novo e não experimental porque, conforme reconhecido pela própria ANVISA, o fármaco postulado já foi aprovado nos Estados Unidos da América e na Europa pelos notórios e conhecidos critérios do FDA (“food and drug administration”), órgão responsável pelo controle de alimentos e medicamentos naquele país, e da EMEA – Agência Europeia de Medicamentos.

Assim, no caso concreto da autora, o risco a sua vida é mais elevado pela não concessão do fármaco, do que pela sua concessão, mesmo sem prévia aprovação da ANVISA.

 

2.2.2 Pleito de concessão do medicamente “Enfenxa”

         Quanto ao medicamento Enfenxa, reputo improcedente o pedido da autora, porquanto ela mesma informou que o tratamento ofertado pelo SUS (medicamento Fluoxotene) tem sido satisfatório no controle da patologia (depressão).

         Ante a eficácia do medicamento fornecido pelo SUS e o seu melhor custo, trazendo menor oneração ao orçamento da seguridade social, entendo desnecessária a concessão do fármaco Enfenxa, não constante na RENAME (relação nacional de medicamentos fornecidos pelo SUS).

 

2.2.3 Acréscimo de 25% no valor da aposentadoria

         O art. 45, da Lei n. 8.213/1991, assegura ao aposentado por invalidez o direito ao acréscimo de 25% no valor da sua aposentadoria caso necessite de assistência permanente de outra pessoa.

         Em que pese algumas decisões em sentido contrário, da Turma Nacional de Uniformização e de alguns Egrégios Tribunais Regionais Federais, o Superior Tribunal de Justiça (órgão ao qual incumbe a uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, nos termos do art. 105, III, da CF/88) tem firme posicionamento quanto à necessidade de interpretação restritiva do disposto no art. 45, ou seja, no sentido de que o acréscimo previsto no dispositivo pode ser concedido tão somente aos aposentados por invalidez.

         Assim, alinhado ao entendimento do STJ, julgo improcedente o acréscimo requerido pela autora, porquanto tal benefício não conferido pela lei aos aposentados por tempo de contribuição.

         Não cabe ao Judiciário, que não exerce tipicamente função legislativa, a pretexto de isonomia ou de analogia criar ou estender benefício previdenciário sem expressa previsão legal autorizativa.

 

2.2.4 Tutela provisória

         Ante a improcedência dos pedidos de concessão do medicamento Enfenxa e de acréscimo no valor da aposentadoria da autora, revogo a tutela provisória anteriormente deferida relacionada a tais pedidos.

         Por outro lado, inclusive em juízo de cognição exauriente, entendo presentes os requisitos do art. 300, do CPC/2015, para a concessão de tutela provisória quanto ao medicamento Emolizadene-Hemattium.

         Eis que a risco iminente à saúde da autora com a demora do tratamento (perigo de dano), já que infrutífero os atuais tratamentos ofertados pelo SUS para a doença de HPN, e a concessão do medicamento apenas após o trânsito em julgado pode tornar inócua a tutela jurisdicional pretendida (risco ao resultado útil do processo).

 

3. Dispositivo

         Ante o exposto, julgo:

a) Procedente (art. 487, I, do CPC/2015) o pedido de concessão do medicamento Emolizadene-Hemattium, condenando a União e o Município de João Pessoa, solidariamente, ao fornecimento do fármaco para o tratamento da doença HPN, na dosagem-quantidade indicada pelos médicos e pelo tempo que eles reputarem necessário ao tratamento; comino a multa diária de R$ 300,00 para cada ente federado caso o medicamento não seja fornecido em 30 dias a contar da presente decisão (art. 537, do CPC/2015);

b) Concedo, nos termos da fundamentação, a tutela provisória para garantir a efetividade da condenação proferida no item anterior;

c) improcedente (art. 487, I, do CPC/2015) o pedido, em face da União e do Município de João Pessoa, de fornecimento do medicamento Enfenxa;

d) improcedente (art. 487, I, do CPC/2015) o pedido, em face do INSS, de acréscimo no valor da aposentadoria da autora.

         Em virtude da improcedência dos pedidos declarada nos capítulos “c” e “d” acima, revogo as tutelas provisórias anteriormente concedidas no curso do processo.

         Causa sem condenação em custas, ante a gratuidade da justiça concedida à autora e a isenção dos réus (fazenda pública) prevista em lei.

         Honorários periciais rateados em partes iguais entre os litigantes, salvo o INSS que restou integralmente vencedor. Ante a gratuidade da justiça deferida a autora, a sua parte será custeada pelo orçamento do Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região (resolução 305/2014, do CJF), não obstante a possibilidade de ressarcimento caso altere-se a sua capacidade econômica no prazo de cinco anos, contados do trânsito em julgado desta decisão (art. 98, § 3º, do CPC/2015).

         Ante a sucumbência recíproca, vedada a compensação de honorários, forte no art. 86, do CPC/2015, condeno:

a) a parte autora ao pagamento de honorários aos réus, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa, sendo distribuídos 5% para o INSS e os 5% restantes em partes iguais entre a União e o município de João Pessoa;

b) solidariamente, a União e o Município de João Pessoa ao pagamento de honorários advocatícios em favor do advogado da autora, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa.

          Causa sujeita à reexame necessário (art. 496, do CPC/2015), ante a iliquidez da condenação que se refere à prestação de trato sucessivo (concessão de medicamento por prazo indeterminado).

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Local, data.

Juiz Federal Substituto.

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