No contexto do fenômeno da judicialização dos direitos sociais, discorra sobre:
(a) sua eficácia, a partir do § 1º do art. 5º da Constituição Federal;
(b) a dimensão de direitos prestacionais, distinguindo direitos derivados a prestações da exigência de prestações originárias;
(c) o problema dos custos e a reserva do possível;
(d) critérios jurisprudenciais para solucionar casos que envolvem o acesso ao Poder Judiciário em matérias de efetivação de direitos sociais.
a) Nos termos do art. 5°, § 1°, da CF, "as normas definidoras de direitos e garantias individuais têm aplicabilidade imediata", o que significa que a eficácia é plena ou, no mínimo, contida, pois não podem depender da intermediação de outros instrumentos normativos para sua aplicabilidade. Segundo as correntes substancialistas, deve ser extraída a eficácia máxima diretamente da Constituição, por mais vaga que seja a norma definidora de um direito. Já as correntes procedimentalistas pregam uma maior autocontenção do Judiciário, que deve se ater mais ao papel de garantidor do processo democrático, sendo o ativismo judicial restrito às hipóteses em que a participação no jogo democrático esteja ameaçada (ex.: papel contramajoritário na defesa de minorias).
b) Os direitos sociais, de segunda geração, são tipicamente prestacionais, na medida em que impõem ao Estado um dever de ação (direitos positivos) visando a promoção de condições que asseguram a fruição dos direitos fundamentais clássicos (ex.: para exercer a soberania popular é preciso educação). Neste sentido, as prestações originárias são as que decorrem de normas-regras, definidas precisamente no texto constitucional (ex.: seguro-desemprego no art. 7°, II), ao passo que os direitos derivados de prestações decorrem de normas principiológicas cuja efetivação demanda concretização pelo aplicador do direito ou pelo legislador (ex.: a saúde é direito de todos, art. 196);
c) Ao prever um amplo rol de direitos sociais, a Constituição impôs ao Estado deveres que demandam vultuosas quantias para a sua efetivação, e no mais das vezes a demanda é maior que o orçamento. Neste sentido, importou-se para o Brasil a teoria da reserva do possível, que surgiu na Suprema Corte Alemã na segunda metade do Séc. XX, a partir do caso numerus clausus, segundo a qual o Estado, não obstante preveja direitos sociais, não pode ser compelido a concretizá-los de maneira absoluta, quando demonstrado que não há orçamento suficiente. A teoria foi citada pela primeira vez no STF por Celso de Mello em 2004 e desde então vem se firmando no sentido de não poder ser oposta quando a pretensão envolver a garantia do mínimo existencial (condições materiais mínimas sem as quais a vida humana é impossível sem um mínimo de dignidade). Surgiram também as vertentes da reserva jurídica (previsão na lei orçamentária para o gasto pretendido pela parte) e a reserva fática (existência efetiva de recursos financeiros para fazer frente à despesa);
d) O STF vem mantendo o entendimento segundo o qual a reserva do possível, seja fática, seja jurídica, é inoponível ao mínimo existencial, tendo em vista que de outro modo estaria colocando em risco a própria vida do jurisdicionado. Diante da recente e grave crise econômica, correntes que advogam o temperamento do entendimento têm tomado cada vez mais corpo na doutrina e já ecoam entre alguns ministros. Dentre as vozes doutrinárias, é possível citar Daniel Sarmento, que defende que o controle judicial de direitos sociais previstos em normas principiológicas deve ser feito em atenção à reserva do possível (até porque dar a quem pede ao Judiciário significa tirar da parcela mais necessitada que sequer tem acesso à justiça, agravando ainda mais a desigualdade social), tendo como base o princípio da igualdade, que deve ser analisado no momento do pedido, sendo a pretensão negada sempre que, num juízo coletivo, não houver possibilidade de conceder o mesmo direito a todos que a ele fizerem jus, em razão da limitação de recursos econômicos, mas sem olvidar do princípio da proporcionalidade em cada caso concreto e do grau de fundamentalidade do direito, que quanto maior, imporá ao Poder Público um ônus argumentativo maior ao defender a não concessão.
De toda sorte, ainda há boa parcela dos operadores que defende um forte substancialismo e ativismo judicial, criticando a importação da teoria da reserva do possível, que surgiu no contexto de um país de primeiro mundo, para o Brasil, notadamente tendo em conta que entre nós é notório o desperdício de recursos públicos, seja em razão da ineficiência do Estado, seja em razão da corrupção sistêmica, de sorte que a discussão sobre falta de orçamento só pode ser levada a sério a partir do momento em que o orçamento existente esteja sendo bem gasto.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
0 Comentários
Seja o primeiro a comentar