Considere o trecho a seguir:
(...) Transexual é o indivíduo que possui a convicção inalterável de pertencer ao sexo oposto ao constante em seu Registro de Nascimento, reprovando veementemente seus órgãos sexuais externos, dos quais deseja se livrar por meio de cirurgia. Segundo uma concepção moderna, o transexual masculino é uma mulher com corpo de homem. Um transexual feminino é, evidentemente, o contrário. São, portanto, portadores de neurodiscordância de gênero. Suas reações são, em geral, aquelas próprias do sexo com o qual se identifica psíquica e socialmente. Culpar esse indivíduo é o mesmo que culpar a bússola de apontar para o norte.
O componente psicológico do transexual caracterizado pela convicção íntima do indivíduo de pertencer a um determinado sexo se encontra em completa discordância com os demais componentes, de ordem física, que designaram seu sexo no momento do nascimento.
Sua convicção de pertencer ao sexo oposto àquele que lhe fora oficialmente dado é inabalável e se caracteriza pelas primeiras manifestações da perseverança dessa convicção, segundo uma progressão constante e irreversível, escapando a seu livre arbítrio. (...)
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Adequação de sexo do transexual: aspectos psicológicos, médicos e jurídicos. Psicologia: teoria e prática. v. 2, n. 2, 2000. Disponível em:
Disserte sobre a possibilidade jurídica de pedido judicial de alteração de gênero e prenome feito por transexual, abordando a questão jurídica posta e os fundamentos jurídicos e legais das posições que se antagonizam sobre o tema.
[Resposta em consonância ao NCPC e ao julgamento do STJ em sede de Resp no mês de agosto do ano 2017]
Em sintonia ao direito amplo do acesso à justiça, consagrado explicitamente pela Constituição de 1988, a impossibilidade jurídica de um pedido ao Estado não poderia obstaculizar que essa negativa fosse justificada, e o acesso à justiça de fato consumado, afinal, o direito de ação é abstrato e independe do direito material deduzido. Neste sentido, o novo Código de processo Civil rechaça a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, uma vez que é lícito ao jurisdicionado pedir o que entende de direito e, caso não prospere, que se resolva o mérito da questão pela improcedência.
Desta forma, presentes os demais substratos formais de uma ação judicial, o pedido de alteração de gênero e prenome por transexual deve ser enfrentado com resolução do mérito, procedente ou não.
O STJ, em decisão do Resp 1626739 RS/2016, publicada em agosto de 2017, prestigiou o princípio da dignidade humana para permitir a alteração dos assentos civis de modo a convergir o estado mental do cidadão, em relação a seu gênero, com seu prenome de registro, ainda que não tenha havido cirurgia de transgenitalização.
Além do princípio da dignidade humana, é razoável afirmar-se o direito de alteração do prenome como ação promotora da igualdade material, tão importante no âmbito dos interesses existenciais, tais quais se apresentam o nome e a imagem de uma pessoa dentre vários outros elementos componentes de sua personalidade.
Juridicamente, ainda, o art. 58 da Lei de Registros públicos (L6.015) possibilita a alteração do prenome por "apelidos públicos notórios". Ora, se o indivíduo se identifica e é identificado em sua honra objetiva, tal qual designou a subjetiva, evidente a publicidade e a adequação deste novo signo individual em meio às instituições sociais de seu convívio e, portanto, sua notoriedade nos nichos de vivência do interessado.
Ademais, o Brasil é signatário de diversos tratados no âmbito internacional, comprometendo-se a coibir diversas modalidades de violação aos direitos humanos, dentre elas, cite-se, a exclusão ou redução da cidadania por motivos discriminatórios. O nome, e por conseguinte, os documentos em que se vê hospedado, são essenciais para o exercício de vários outros direitos: certificação de nível escolar, matrículas, candidaturas em concursos públicos, direito de petição, título de eleitor, passaporte, registro de identidade, cartão de vacinação e etc...
Por marcar, o nome, todas as facetas que dignificam o ser humano e o individualiza no corpo social, é de suma importância que os instrumentos judiciais priorizem a realidade em detrimento de padrões exclusivamente fisiológicos, claro, desde que de interesse daquele que se sinta prejudicado e, desde que digredidas eventuais tentativas de fraude, que porventura inspirem o pedido. Não há, enfim, abstratamente, óbice à procedência do pedido, analisado o recorte estrito da alteração de prenome e gênero pelo transexual na atual conjuntura do ordenamento jurídico brasileiro.
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