Sentença
Justiça Estadual
TJ/RJ - 46º Concurso para ingresso na Magistratura de Carreira - 2014
Sentença Cível

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Enunciado Nº 000689

Vistos etc.


Inicialmente esclareço que julgarei por esta sentença tanto a ação principal quanto a cautelar, em apenso.


A ação principal é de nulidade de testamento interposta por Marineia Gomes em face de Creusa Almeida e Salustiano Oliveira .


Alega a autora que foi casada com Arlindo Gomes, falecido em 20 de janeiro passado, sob o regime convencionado da separação total de bens (doc. fl.23). O de cujus não possui descendente, mas deixou dois ascendentes, sua mãe e uma avó paterna.


Para a surpresa da autora, após o óbito, Creusa apresentou testamento particular feito pelo obituado, pelo qual manifestava a vontade de deixar todo o seu patrimônio para a primeira ré, a exceção da casa onde morava com a autora, que deixou para o segundo réu, seu sobrinho.


Funda-se o pedido no fato de o testamento não ter sido lido para as testemunhas, que o assinaram sem conhecer o seu conteúdo. E mais, também não expressava a vontade do falecido, porque em razão de doença, estava desprovido de discernimento. Prossegue, esclarecendo que Creusa, cuidadora de Arlindo, certamente o induziu a deixar os bens para ela. Por fim, ainda que subsista o testamento, o falecido não podia dispor da totalidade dos bens porque há herdeiros necessários. Ao final, pediu a procedência do pedido para a declaração de nulidade do testamento ou, subsidiariamente, a redução das disposições testamentárias de modo a preservar a legítima da autora.


Citada, Creusa alegou ilegitimidade de parte autoral porque em razão do regime de casamento, nenhum bem poderia caber à autora. Também suscitou a incompetência absoluta do juízo porque o cumprimento do testamento foi determinado por outro juízo, diverso do presente, por onde se processa esta ação. Ponderou que a autora não poderia pleitear sozinha a anulação do testamento porque haveria um litisconsórcio necessário entre ela, a mãe e avó do falecido, pois se procedente o pedido, estas seriam beneficiadas pelo resultado da demanda. Disse que Marinéia não era herdeira necessária porque casada sob o regime da separação total. Argumentou não haver nulidade porque as testemunhas leram e sabiam do conteúdo do testamento. Assinalou que jamais captou a vontade do falecido. Por estas razões pediu a improcedência, mas se assim não entendesse o Juízo, pleiteou, eventualmente, que fossem reduzidas as disposições testamentárias para que a ré receba a parcela disponível da herança.


Citado Salustiano, sobrinho do testador, ratificou todos os argumentos deduzidos por Creusa, a exceção do pedido eventual e, neste aspecto, dirigiu- lhe pedido contraposto no sentido de excluí-la da herança porque entende que houve captação da vontade do falecido. Alegou, ainda, que recebeu apenas o único imóvel destinado à habitação, dentre o patrimônio imobiliário deixado pelo seu amado tio, portanto, dentro da parte que poderia ser disposta. Também ofereceu reconvenção à Marinéia requerendo a entrega do imóvel que lhe foi deixado pelo testador.


Réplica às fls. 50/52.


Sobre o pedido contraposto, Creusa manifestou-se contrariamente às fls. 62/63.


Sobre a reconvenção, Marinéia manifestou-se às fls. 70/72, destacando sua inadmissibilidade e, no mérito, requereu a improcedência.


Determinada perícia de natureza médica, veio o laudo de fls. 80/90, com resultado inconclusivo, mas levantando a possibilidade de o testador ter momentos de ausência.


Arguição de imprestabilidade do laudo, formulada pela ré. Alega que o perito seria suspeito porque era pessoa do convívio social da autora.


Laudo avaliatório às fls. 112/115, estimando o valor da herança em R$3.000.000,00, sendo o imóvel deixado a Salustiano avaliado em R$800.000,00.


Audiência de Instrução e Julgamento na qual foram ouvidas três testemunhas. A primeira, testemunha do testamento, disse que cada testemunha leu de per si o testamento e que só depois todos o assinaram, inclusive o testador, e que o falecido se encontrava lúcido e com discernimento. A segunda, médico que acompanhou o tratamento do falecido, disse que este alternava momentos de lucidez e de ausência, e que quando medicado respondia bem aos atos da vida cotidiana, contudo, não podia precisar como estava o falecido no momento em que elaborou e firmou o testamento. A terceira, também testemunha do testamento, confirmou a versão da primeira testemunha e também disse que não notou nada de irregular na conduta do testador.


Após a colheita dos testemunhos, seguiram-se os debates, com pronunciamento final do Ministério Público, me vindo os autos conclusos para a sentença.


No que toca a cautelar, em apenso, foi proposta por Salustiano em face de Marinéia requerendo o arrolamento de todos os bens móveis que guarnecem o imóvel que lhe coube, ante as provas de dilapidação produzidas nos autos.


Marinéia contesta a cautelar sustentando a falta de legitimidade ativa do autor porque não é herdeiro e, portanto, não entrou na posse do bem. No mérito, disse que ainda que se considere válido o testamento, tem garantido o direito de habitação e, portanto, pode usufruir e dispor de todos os bens móveis que guarnecem o imóvel.


Réplica às fls 20/23 da cautelar.


Parecer do Ministério Público às fls. 30/31.


É o relatório.


Passo a decisão.




Leia o relatório acima com atenção e profira sentença. Limite-se à fundamentação e à parte dispositiva. Enfrente todas as questões explícita e implicitamente propostas, lembrando-se de mencionar na fundamentação todos os artigos eventualmente pertinentes, cuja correta menção será levada em conta pela banca.

Resposta Nº 003649 por Leandro Vidal Media: 1.00 de 1 Avaliação


Inicialmente, cumpre ressaltar que as condições da ação se encontram regularmente preenchidas, nos termos do art. 17, do CPC. De fato, as partes que ocupam os polos desta demanda são legítimas, uma vez que, a autora, assumindo a posição de herdeira necessária, busca a anulação do testamento feito pelo seu esposo falecido, cujas cláusulas testamentárias beneficiaram sua cuidadora e o seu sobrinho. Fixadas tais premissas, nota-se também que é evidente o interesse de agir, posto que a anulação do testamento acarretará a devolução dos bens doados ao acervo patrimonial do 'de cujus', que, no caso de procedência, reverterá em benefício da promovente. 

Antes de adentar ao mérito, importa responder às preliminares apresentadas pelos promovidos, cujo resultado, desde logo, adianto que não merecem acolhida. 

O regime de bens eleito para o matrimônio não produz efeitos quando há a morte de um dos cônjuges, conforme disposição expressa do art. 1.831 do Código Civil, que, inclusive, assegura o direito real á habitação no imóvel residido pelo casal antes do sinistro que resultou na morte do cônjuge. Assim, conforme já apontado, a autora é parte legítima para a propositura da presente demanda, inclusive, sem que precise formar litisconsórcio com a mãe e a avó do falecido, tendo em vista que, por ser a herança um condomínio indivisível, qualquer dos condôminos é parte legítima para defender, sozinho, todo o acervo patrimonial, nos termos do art. 1.791, parágrafo único,  c/c o art. 1.314 e 1.321, todos do Código Civil. 

Noutro giro, a alegação de que este juízo é incompetente para apreciar a presente demanda também não se mostra correta, visto que o imóvel avaliado que compõe o acervo patrimonial do falecido se encontra na jurisdição deste magistrado, nos termos do art. 96, caput, do CPC (revogado), somando-se a isso o fato de que o promovida não trouxe aos autos qualquer prova que demonstrasse a tramitação de ação de cumprimento de ato de última vontade em juízo diverso.

A controvérsia gira em torno da validade do testamento feito pelo falecido em favor dos promovidos, na seguinte ordem: a) a Salustiano sobrinho do doador, foi doado o imóvel no qual a autora residiu com o falecido, avaliado em R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais); b) à Creusa, cuidadora do doador, foi doado o restante do patrimônio do falecido, avaliado em 2.200.000,00 (dois milhões e duzentos mil reais).

Como se sabe, o ordenamento juridico brasileiro recepcionou a doutrina da saisine, segundo a qual os bens que pertenciam ao falecido são transmitidos aos seus herdeiros, legais ou testamentários, no momento da sucessão, que se verifica com a morte. 

Compulsando os autos, verifica-se que o falecido supostamente lavrou o Testamento Particular acostado aos autos deste feito, nos termos mencionados anteriormente, em favor de sua cuidadora, Creusa, e do seu sobrinho, Salustiano, cuja validade, nos termos do art. 1.876 do Código Civil, reclama a ocorrências dos seguintes pressupostos: a) a escrita de próprio punho ou por processo mecânico; b) a vontade de testar; c) a leitura e assinatura pelo testador; d) a presença de, no mínimo, 03 (três) testemunhas que possam confirmar a observância dos requisitos anteriores; e) se feito por processo mecânico, a ausência de espaços em branco ou rasuras.

No caso em disceptação, em que pesem os argumentos ventilados na contestação, que buscam o reconhecimento da validade do Testamento supostamente realizado pelo falecido, não me parece que os requisitos previstos no Código Civil tenham sido observados, resultando daí a sua invalidade.

De fato, os depoimentos colhidos na audiência de instrução,  revelaram que o falecido, após a confecção do testamento trazido aos autos, não efetuou qualquer leitura das disposições que ali havia lançado, de maneira que se mostra possível a alegação de que fora induzido a efetuar as doações no ato de última vontade, principalmente pela especial circunstância de que era portador de enfermidade mental que provocava a perda da lucidez, ainda que temporária.

Com razão, o médico inquirido na referida audiência, e que acompanhou o quadro clínico do falecido, informou que o mesmo "alternava momentos de lucidez e de ausência, e que quando medicado respondia bem aos atos da vida cotidiana (...)". 

Observa-se que o 'de cujus' era portador de enfermidade mental que reduzia sua capacidade para se portar de forma autônoma, livre e consciente, e se mostra muito estranho que tenha doado quase todo o seu patrimônio àquela que havia sido contratada para acompanhar de perto a sua saúde, inclusive, para ministrar os medicamentos necessários para que sua saúde mental permanecesse hígida ou não sofresse qualquer perturbação apta a reduzir sua capacidade de se comportar de forma independente. 

Não há como acolher a alegação defensiva no sentido de que a vontade do falecido não foi captada para fins de beneficiar a promovida, Creusa, porquanto a posição que a mesma assumia, no momento em que o testamento fora lavrado, mormente pelo fato de que se tratava de pessoa portadora de enfermidade mental, impedia que houvesse a doação de qualquer parcela do seu patrimônio, principalmente no vultoso montante doado à promovida. Ademais, não há nos autos qualquer indicativo de que a doação tenha sido efetuada por ato de gratidão, por ter feito alguma coisa que conquistou a simpatia do falecido que desaguasse na doação de quase todo o seu patrimônio.

Com efeito, o laudo confeccionado pelo perito nomeado por este juízo, de fls. 80/90, apesar de ter apresentado resultado inconclusivo, é firme no sentido de que, no momento da feitura do testamento, havia a possibilidade de que o falecido pudesse estar subtraído das faculdades mentais que assegurassem sua vontade livre e consciente na doação de todo o seu patrimônio. 

Ademais, o fato de o perito ser pessoa do convívio social da autora não presume que tenha atuado na perícia com o fim de beneficiá-la, principalmente pela circunstância de que o resultado não fora conclusivo e somando-se a isso que a alegação de que o falecido seria pessoa portadora de enfermidade fora confirmada pelas testemunhas inquiridas em juízo, fatores que demonstram que não houve qualquer prejuízo.

Assim, as testemunhas afirmaram que o próprio testador sequer havia lido o conteúdo do que supostamente havia redigido e assinado, somando-se a isso o fato de que era portador de enfermidade que reduzia sua autonomia para os atos da vida cotidiana.

O fato de ter assinado o Testamento controvertido, por si só, não afasta a nulidade decorrente da ausência do cumprimento dos requisitos legais, qual seja, a leitura pelo próprio doador. Como se não bastasse, conforme já exarado por este juízo, a enfermidade mental aliada à especial posição de Creusa, no momento em que realizado o Testamento, são provas suficientes no sentido de que além da captação da vontade houve também transgressão a requisito essencial para a validade do Testamento.

No mesmo sentido, a doação efetuada ao sobrinho do doador, Salustiano, também não merece ser mantida, principalmente pelo fato de que o mesmo, em sua contestação, pediu a exclusão da promovida, Creusa, da sucessão do falecido, afirmando que a vontade do 'de cujus' havia sido captada para benefício da donatária. Ao que tudo indica, o promovido não se encontrava no momento em que as doações foram feitas, mas essa circunstância não afasta o vício que estava presente naquele momento, qual seja, a incapacidade relativa do autor para se comportar de forma autônoma e independente.

Nessa esteira, ainda que não tenha havido a produção de prova que apontasse a existência de conluio entre os promovidos, o fato é que o falecido jamais poderia ter realizado testamento de forma consciente, já que era portador de enfermidade que o incapacitava, ainda que transitoriamente, para os atos da vida civil.

Nos termos do art. 1.900 do Código Civil, "é nula a disposição que institua herdeiro ou legatário sob a condição captatóriade que este disponha, também por testamento, em benefício do testador, ou de tterceiro".

Assim, é imperiosa a anulação do Testamento acostado aos autos, com a consequente rejeição do pedido feito nos autos da Reconvenção e a rejeição do pedido de arrolamento dos bens guarnecidos no imóvel irregularmente doado nos autos da ação cautelar de arrolamento.

Isto posto, atendendo ao mais que dos autos consta e princípios de direito aplicáveis à espécie, JULGO PROCEDENTE o pedido inserto na peça inicial para ANULAR o testamento efetuado pelo falecido. Ademias, JULGO IMPROCEDENTES o pedido de entrega do imóvel nos autos da Reconvenção e o pedido de arrolamento dos bens que guarnecem o imóvel residido pela autor nos autos da Ação Cautelar em apenso.

Condeno os sucumbentes nas custas processuais e honorários de sucumbência, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa.

Decorrido o prazo recusal, e não havendo inconformismo das partes, certifique-se o trânsito em julgado e arquivem-se os autos com as cautelas de praxe.

P.R.I

Local, data.

 

JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO

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1 Comentário


  • 2 de Setembro de 2021 às 16:39 Rafael Rodrigues Prudente disse: 0

    A análise da prova oral foi feita totalmente errada, a meu ver. As testemunhas - duas das quais eram subscritoras do testamento - disseram que o testador estava lúcido e com discernimento no momento da leitura e assinatura do testamento. Além disso, não importa se o testamento foi lido pelo testador para as testemunhas, mas sim que estas tenham tido conhecimento do seu conteúdo, o que o ocorreu no caso - elas afirmaram que leram elas próprias e só depois assinaram, assim como o testador só o assinou ao fim.

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