Juan, analfabeto, morador da zona rural de uma cidade paraguaia, aceitou proposta de Peter para transportar um quilo de droga do Paraguai para a Holanda, por 1.000 dólares, que seriam pagos quando Juan chegasse ao seu destino com a droga.
Em 10/05/2009, dia da viagem, que teria conexão no Brasil, Juan recebeu de Peter uma passagem aérea, um passaporte expedido em seu nome, US$ 150,00 para as despesas com a viagem e uma maleta em cujo fundo falso estava escondida a substância entorpecente. No Brasil, a mala de Juan foi submetida ao raio X no aeroporto, quando foi constatada a presença de substância orgânica.
Por essa razão, Juan foi abordado pela Polícia Federal, e a sua bagagem foi minuciosamente revistada. A polícia federal realizou o narcoteste e descobriu tratar-se de novecentos gramas de pasta-base de cocaína, fato que levou à imediata prisão de Juan, em flagrante. Juan confessou a prática delitiva ressalvando que, em nenhum momento, fora informado a respeito da natureza da droga.
Durante a fase inquisitorial, o passaporte e os dólares portados por Juan foram apreendidos e submetidos à perícia, tendo sido constatada a inautenticidade de ambos. Na denúncia contra Juan, apresentada dentro do prazo legal, pleiteava-se a sua condenação como incurso nas penas do art. 33, caput, c/c art. 40, I e III, e art. 35, todos da Lei No. 11.343/2006, e no art. 304, c/c 297, e no art. 289, p. 1º c/c art. 69, todos do Código Penal. Recebida a denúncia em 20/8;2009, o juiz determinou que o interrogatório fosse realizado por meio de videoconferência, em virtude do presídio distar mais de 300 km da subseção judiciária, de modo que o deslocamento do réu representaria elevados gastos para o Estado.
No ato processual, a defesa solicitou a soltura das algemas do acusado, que atavam os pés e as mãos do acusado, pedido indeferido sob a justificativa de que o delito era de extrema gravidade.
Durante o interrogatório, Juan confessou espontaneamente a prática delitiva, argumentando que Peter lhe oferecera 1.000 dólares para o transporte da droga e que somente aceitara a proposta porque enfrentava extremas dificuldades financeiras, estava desempregado havia seis meses e sem renda para pagar a hipoteca de sua casa e comprar alimentos para sua família, composta por esposa, também desempregada, e quatro filhos menores de idade. Juan afirmou, ainda, que não suspeitara da falsidade das cédulas de dólares americanos que lhe foram entregues por Peter. Quanto ao passaporte, Juan garantiu também não ter conhecimento de sua falsidade, esclarecendo que apenas provera a Peter seus dados pessoais e uma fotografia, tendo sido a expedição desse documento providência tomada exclusivamente por Peter, que lhe afirmara ser o passaporte imprescindível para a viagem.
Na etapa da oitiva de testemunhas, foram ouvidos os policiais responsáveis pela prisão em flagrante e o empregado do aeroporto responsável pelo raio X. O MPF, em alegações finais, pleiteou a condenação do acusado nos termos da denúncia.
Em que pesem os esforços realizados pela defesa, o magistrado proferiu sentença pela procedência total dos pedidos feitos na denúncia, tendo condenado Juan a 15 anos de reclusão e multa, e reconhecido o concurso material entre os quatros delitos.
No que se refere à dosimetria das penas, assim estabeleceu o juiz:
Tráfico de drogas: 1ª fase: cinco anos de pena-base (mínimo legal). 2ª fase: afastada a atenuante de confissão porque o réu foi preso em flagrante delito. 3ª fase: tomada a pena definitiva em seis anos e três meses de reclusão e multa, pois reconhecidas as causas de aumento de pena relativas à internacionalidade e ao uso de transporte público, na fração de um quarto.
Associação para prática do tráfico: 1ª fase: três anos de pena-base (mínimo legal). 2ª fase: afastada a atenuante de confissão porque o réu foi preso em flagrante delito. 3ª fase: tornada a pena definitiva em três anos e nove meses, pois reconhecidas as causas de aumento de pena relativas à internacionalidade e ao uso de transporte público, na fração de um quarto.
Moeda falsa 1ª fase: 3 anos de pena base (mínimo legal) 2ª fase: nenhuma circunstância considerada. 3ª fase: pena- base tornada definitiva.
Passaporte falso: 1ª fase: dois anos de pena-base (mínimo legal). 2ª fase: nenhuma circunstância considerada. 3ª fase: pena-base tornada definitiva.
Em face dessa situação hipotética, considerando que Juan é réu primário, possuidor de bons antecedentes e que não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa, discorra, com base na doutrina e na jurisprudência, sobre:
1- a utilização da videoconferência e uso de algemas;
2- a tipificação do crime de associação para o tráfico;
3- as circunstâncias atenuantes e causas de diminuição da pena;
4- a liberdade provisória no crime de tráfico internacional de drogas.
Houve nulidade e prejuízo à ampla defesa e ao contraditório pela utilização de videoconferência para interrogatório do réu, pois inobservou as hipóteses previtas no artigo 185 do CPP. Ademais, o fundamento de gasto para o poder público é incabível para justificar essa forma de interrogatório, conforme a jurisprudência.
Do mesmo modo, houve prejuízo ao réu quanto à utilização de algemas sem necessidade, pois a gravidade do crime não a justifica, sendo nulo o ato processual e os deles decorrentes, conforme súmula vinculante do STF.
A condenação pelo crime de associação para o tráfico também é descabida, pois não há provas da estabilidade e permanência, conforme entendimento do STJ e do STF, sendo atípica a conduta do agente, merecendo ser reformada.
Quanto À condenação acima do mínimo legal pelo tráfico de drogas támbém é ilegal, pois estão presentes as atenuantes dos artigos 65, III, a, d e 66 do CP. A conduta foi praticada por reinar na família o desemprego e por necessitar de recursos para sustentar a família. Além disso, houve a confissão espontânea, sendo ilegal o seu afastamento som o fundamento de que a prisão foi em flagrante. Ademais, por ser primário, inexistir provas de maus antecedentes nem de integrar à atividade ou organização criminosa, devia incidir a redução do artigo 33, §4º, da lei 11.343/2006.
Quanto à liberdade provisória, é possível ser aplicada pois o tráfico internacional não consta no artigo 44, sendo vedada a analogia "in mala partem". Além disso, não devia a pena ser aumentata porque não houve a intenção de pulverizar a droga no país destinatário nem houve comercialização dentro do transporte público, conforme entendimento do STJ. Por fim, vale ressaltar que como não houve dolo, também é atípica atribuídas a título de moeda e documento falso.
QUESTÃO
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SENTENÇA
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