No Município X, a Câmara de Vereadores aprovou a Lei n. 111/2014 restringindo os serviços de assistência pré-natal à gestante carente, no único hospital local pertencente ao Município, a partir do 4º (quarto) mês de gestação. Na exposição de motivos que acompanhou o Projeto de Lei, o Prefeito Municipal explanou que, além da falta de estrutura hospitalar da rede de saúde pública na localidade, as dificuldades financeiras que o Município atravessava com a queda de arrecadação impunham que ele elegesse temporariamente a adoção daquela restrição, conquanto considerasse que o outro hospital mais próximo distava 600 quilômetros dali, porque situado em outro município.
A Lei n. 111 /2014 alterou a Lei n. 555/2000, que anteriormente disciplinava o assunto.
O teor dessas disposições legais é o seguinte:
Lei n. 555/2000:
Art. 1º É assegurada à gestante carente, desde o início da gestação, assistência pré-natal no Hospital Municipal.
Lei n. 111/2014:
Art. 1º O Art. 1º da lei n. 555/2000, passa a vigorar com a seguinte redação:
É assegurada à gestante carente, a contar do 4º (quarto) mês de gestação, assistência pré-natal no Hospital Municipal.
Entidades comunitárias encaminharam pedido de providências ao Promotor de Justiça, estimando que, de imediato, aproximadamente 50 (cinquenta) gestantes carentes, todas devidamente identificadas e qualificadas, ficariam sem a devida assistência médica pré-natal até o 4º (quarto) mês de gestação.
Por essa razão, o Representante do Ministério Público ingressou com ação civil pública com base na Lei n. 7.347/85 e disposições correlatas, em face do Município X, visando à tutela dos interesses concretamente identificados. Baseou a petição inicial exclusivamente em normas pertinentes da Constituição Federal quanto ao Direito material, e evocou, também, o princípio da vedação ou proibição ao retrocesso social, a título de fundamento jurídico. Suscitou questão prejudicial que, a seu juízo, era pressuposto necessário ao atendimento do pedido.
O Juiz de Direito da Comarca, de plano, rejeitou a inicial entendendo que a ação era inviável, porque fundamentada em dispositivos da Constituição Federal que veiculam diretrizes de políticas públicas, tendo sido relevadas as normas correlatas de natureza infraconstitucional, o que de fato ocorreu. Sustentou, ainda, que o princípio da vedação ao retrocesso social, evocado secundariamente a título de fundamento jurídico do pedido, não encontra amparo no ordenamento jurídico nacional.
Pergunta-se:
a) é correta, na situação apresentada, a decisão judicial que rejeitou a petição de ingresso considerando-a inviável, porque fundada em normas que delineiam políticas públicas? Como condição de validade da resposta, justifique e fundamente, à luz dos preceptivos pertinentes com base nos quais essa ação hipotética foi proposta, indicando-os;
b) no contexto do problema apresentado, explicite, discorrendo, em que consiste o princípio da vedação (ou proibição) ao retrocesso social, e o que ele proíbe. Diga qual a conseqüência jurídica da sua inobservância e indique de qual princípio fundamental expresso da República ele implicitamente decorre;
c) formule o pedido principal correspondente à ação como se a tivesse elaborado, inclusive postulando o reconhecimento da questão prejudicial tida como indispensável pelo autor como antecedente necessário ao atendimento do pedido, ainda que a sua convicção seja no sentido de que o pronunciamento judicial foi correto;
d) responda qual nomenclatura se dá, na acepção jurídica, a justificativa apresentada pelo autor do Projeto de lei na exposição de motivos endereçada à edilidade local?
a) É incorreta a solução adotada pelo Juízo. Isto porque é possível que o Poder Judiciário determine ao Administrador a realização de políticas públicas, inclusive com ordem para realocação de verba orçamentária, sempre que a omissão patológica estatal vulnerar prestações que compõem o mínimo existencial, como no caso, o direito à saúde (art. 6º, caput, CF/88), cuja prestação deve ser integral (art. 196, CF/88);
b) O princípio da vedação ao retrocesso social proíbe que se altere a legislação para diminuir conquistas já consagradas em relação a direitos fundamentais. Nessa senda, a Lei 111/2014 ao alterar a expressão "desde o início" para "a contar do 4º mês de gestação" da Lei 555/2000 e suprimir direito à saúde antes garantido violou esta norma jurídica e, portanto, é incompatível com a Carta da República. O princípio da vedação ao retrocesso se fundamenta no preceito da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF).
c) Ante todo o exposto, aguarda-se a declaração incidental da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 111/2014 por ofensa direta aos arts. 1º, III, 6º e 196 da Constituição Federal, bem como seja julgado procedente o pedido para condenar o Município... na obrigação de fazer consistente em ofertar assistência pré-natal desde o início da gestação.
d) O argumento normalmente utilizado pela Administração neste caso é a reserva do possível. Noutro giro, é incabível a utilização de tal teoria em relaçao à prestações que compõem o mínimo existencial, como no caso o direito à saúde.
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SENTENÇA
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