Discorra sobre a tentativa inidônea e suas espécies. Explicite, ainda, as três diferentes teorias relativas à punibilidade da tentativa inidônea, apontando a adotada pelo Código Penal brasileiro.
No contexto protetivo do Direito Penal, cuja missão, para a teoria funcionalista teleológica, é a tutela dos bens jurídicos selecionados pelo legislador, em seus aspectos mais relevantes e merecedores de proteção, pouco espaço poderia existir para o exercício do consentimento do ofendido, figura por meio do qual se permitiria afastar a incidência da norma penal incriminadora, caso a conduta praticada pelo agente tivesse atingido – ou tentado atingir – bem jurídico inserido na esfera de disponibilidade da vítima.
É certo, porém, que o viés fragmentário do Direito Penal, chamado a intervir somente nas situações de absoluta indispensabilidade, é responsável por endossar e fundamentar a teoria do consentimento do ofendido, não admitindo, pois, que determinadas condutas, quando amparadas pela anuência daqueles aos quais se dirigem – entre outras circunstâncias –, sejam punidas pelo ordenamento jurídico-penal.
Neste diapasão, importa esclarecer que o consentimento do ofendido não é fenômeno de uma única perspectiva, visto que, a depender do ângulo pelo qual é observado, pode enfocar um ou outro substrato do conceito analítico ou estratificado de crime.
Assim, tem-se que, por primeiro, o consentimento do ofendido pode, no âmbito do Direito Penal, desempenhar a função de causa excludente da tipicidade legal, por obra do próprio legislador, ao eleger os fatos humanos merecedores da sanção jurídica máxima.
Referida função é extraída do próprio tipo penal, quando o legislador nele consigna, explícita ou implicitamente, elemento normativo, de valor negativo, que expressa a ausência do consentimento da vítima com relação à prática da conduta incriminada na norma penal.
Portanto, somente será lícito falar em tipicidade penal quando a conduta tiver sido perpetrada pelo agente ao escape da anuência do ofendido, uma vez que, presente essa circunstância, será atípico o fato descrito na norma penal incriminadora.
A título de exemplificação, vale trazer à baila o delito de violação de domicílio, previsto no artigo 150 do Código Penal, que declina a ausência do consentimento do morador como elemento normativo explícito, o qual, caso inexistente, indicando a vontade expressa ou declarada do morador quanto ao ingresso do agente em sua residência, torna atípica a conduta.
O mesmo se diga com relação ao crime de estupro em sua forma simples (CP, artigo 213), no qual o consentimento da vítima também desempenha função excludente da tipicidade penal, embora o faça de maneira implícita, passível de ser inferido do próprio tipo legal, tornando, pois, indiferente ao Direito Penal a prática de conjunção carnal ou de ato libidinoso entre pessoas maiores e capazes, em seu pleno juízo e assentes quanto à prática do ato sexual.
Cumpre ressalvar, todavia, que nem todos os tipos penais admitem a aplicação da teoria do consentimento do ofendido, ainda que implicitamente, sobretudo diante da magnitude do bem jurídico tutelado pela normal penal incriminadora.
É o que se observa relativamente ao crime de homicídio (CP, artigo 121), que protege a vida em suas mais altas expressão e dignidade, razão pela qual o consentimento dado pela vítima no tocante à sua morte não retira a tipicidade da conduta perpetrada pelo agente, que pode, em determinada situações, ter sua pena atenuada, na forma do artigo 121, § 1º, do CP, caso tenha cometido o crime por motivo de relevante valor moral, tal como ocorre nos casos de eutanásia.
Banda outra, não se pode olvidar que o consentimento do ofendido também desempenha, presentes determinadas circunstâncias, a função de causa supralegal de exclusão da antijuridicidade da conduta.
Para tanto, afora a anuência da vítima, deve-se atentar para a natureza do bem jurídico violado, que necessita estar inserido na esfera de disponibilidade do ofendido, sendo esse, por sua vez, capaz de consentir e de expressar sua vontade autonomamente, sem mencionar, ainda, a limitação dos efeitos do consentimento à esfera jurídica do ofendido, não podendo atingir terceiros, devendo a conduta se revestir, outrossim, de adequação social.
Aluda-se, como exemplo, às práticas de perfuração cutânea com vistas à colocação de brincos e “piercings”: conquanto tais condutas se amoldem ao tipo penal de lesão corporal (CP, artigo 129), não podem ser consideradas antijurídicas, caso presentes os requisitos cima elencados, de sorte que, mesmo não contando com expressa previsão no artigo 23 do CP, o consentimento do ofendido deve funcionar, nessas hipóteses, como causa supralegal de exclusão da ilicitude.
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