Sentença
Justiça Federal
TRF/4 - 15º Concurso para Juiz Federal Substituto - 2012
Sentença Penal

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Enunciado Nº 001765

Em abril de 2008, a partir do depoimento de uma testemunha em inquérito que investigava suposta prática de distribuição de moeda falsa, chegou ao conhecimento da Polícia Federal a existência de quadrilha dedicada à exploração de jogos de azar com utilização de máquinas caça-níqueis, cujos componentes seriam de importação proibida. Assim, a Superintendência da Polícia Federal em Bagé/RS instaurou o Inquérito Policial nº 80/2008 para investigar a atuação do grupo criminoso.


Em junho de 2008, a autoridade policial apresentou relatório das diligências efetuadas, narrando grandes dificuldades para obter dados e esclarecer os fatos investigados, considerados essenciais para comprovação da materialidade de diversos delitos de corrupção ativa e passiva relacionados à exploração de máquinas caça- níqueis, no que tange à identificação de seus autores. Requereu, assim, o deferimento de medida cautelar de interceptação telefônica (fls. 23-27). O Ministério Público Federal opinou favoravelmente (fls. 29-38).


O magistrado titular da Vara Federal da Subseção Judiciária de Bagé/RS deferiu a medida, em decisão fundamentada, destacando que tais dificuldades já eram esperadas. Afirmou que naquele estágio as investigações não avançavam em razão de dificuldades encontradas na coleta de dados, decorrentes da participação ativa de alguns policiais civis na estrutura montada para a prática de crimes. Concluiu o magistrado, assim, que os métodos tradicionais de investigação seriam inócuos em razão do perfil técnico dos investigados e também pelo alto risco existente nas localidades em que as diligências deveriam ser realizadas (fls. 40-49). Houve diversas prorrogações de interceptação telefônica, nas quais o juiz praticamente reproduziu fundamentos das decisões anteriores, sempre deixando explícita a necessidade da prova.


Durante dez meses de investigação, a autoridade policial fez uso da técnica especial de investigação conhecida como ação controlada, monitorando a quadrilha até os momentos em que o flagrante se tornava oportuno. Findo esse período, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Pedro Arcanjo, João de Jesus, Caio César da Silva, Mário André Fagundes, Jorge Augusto de Sá e Vinícius Santana, por infração aos seguintes dispositivos legais, respectivamente: a) Pedro Arcanjo – artigo 333 (dez vezes), artigo 334, § 1º, “c” e “d” do Código Penal (trinta vezes), artigo 288, parágrafo único, todos do Código Penal, e art. 1º, VII, da Lei nº 9.613/98, c/c artigos 69 e 71, ambos do Código Penal; b) João de Jesus – artigo 334, § 1º, “c” e “d” (trinta vezes), e artigo 288, parágrafo único, ambos do Código Penal, c/c artigos 69 e 71, ambos do Código Penal; c) Caio César da Silva – artigo 334, § 1º, “c” e “d”, do Código Penal (trinta vezes) e artigo 288, parágrafo único, do Código Penal, c/c artigos 69 e 71, ambos do Código Penal; d) Mário André Fagundes – artigo 334, § 1º, “c” e “d”, do Código Penal (trinta vezes), artigo 333 (dez vezes) e artigo 288, parágrafo único, do Código Penal, c/c artigos 69 e 71, ambos do Código Penal; e) Jorge Augusto de Sá – artigo 325, artigo 317, § 1º (cinco vezes), e artigo 288, parágrafo único, todos do Código Penal, art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98, c/c artigos 69 e 71, ambos do Código Penal; f) Vinícius Santana – artigo 325, artigo 317, § 1º (cinco vezes), e artigo 288, parágrafo único, todos do Código Penal, c/c artigos 69 e 71, ambos do Código Penal.


Narra a peça acusatória:



1. O grupo criminoso denominado “máfia dos caça-níqueis” vinha atuando em diversos municípios da Região Sudoeste do Rio Grande do Sul havia pelo menos uma década. Contudo, diante da prova coligida aos autos, é certo que esse grupo atuava desde 2008, quando ocorreram as primeiras apreensões que deram origem a esta ação penal. Ao final das investigações, vinte pessoas foram indiciadas e, por decisão judicial, a investigação foi cindida em três grupos, conforme a área de atuação de cada célula criminosa.


2. Desta denúncia fazem parte os acusados Pedro Arcanjo, João de Jesus, Caio César da Silva, Mário André Fagundes, Jorge Augusto de Sá e Vinícius Santana, que integram o grupo liderado pelo primeiro. Suas condutas serão descritas a seguir, de acordo com o papel desempenhado pelos denunciados na estrutura criminosa.


3. A materialidade do crime de contrabando se comprova pelos 30 autos de apreensões de 200 máquinas caça-níqueis, ocorridas ao longo dos dez meses de investigação (fls. 25 a 80 do apenso I), bem como pelos laudos periciais que integram o volume em anexo (fls. 150-230 do apenso I), os quais afirmam que as máquinas caça-níqueis apreendidas “contêm, como componente essencial, os chamados ‘noteiros’, dispositivos que efetuam a leitura de cédulas inseridas nas máquinas pelos apostadores. Em termos técnicos, os ‘noteiros’ funcionam recolhendo a cédula introduzida na abertura externa, utilizando sistema mecânico e, passando-a por sensores óticos que procedem à leitura das características dessa cédula, identificam sua autenticidade e seu valor. Por meio de circuito eletrônico específico, montado dentro do próprio invólucro, os sinais elétricos da leitura são processados e enviados, por meio de conector e cabeamento próprio, à CPU controladora do sistema. Assim é feita a aquisição de créditos para o jogo”. Afirmam os peritos, ainda, que “os noteiros existentes nas máquinas periciadas foram fabricados na Inglaterra”. A importação dos noteiros, segundo os peritos, só é proibida para fins de exploração em jogos de azar, nos termos do art. 105, XIX, do Decreto-Lei nº 37/66 e da Portaria SECEX nº 7/2000, ratificada pela Portaria nº 02/05, da Secretaria de Comércio Exterior, que vedou o deferimento de licenças de importação para máquinas de videopôquer, videobingo, caça-níqueis, bem como quaisquer outras máquinas eletrônicas programáveis (MEP) para exploração de jogos de azar. Concluem os peritos, ao final, que, “como as chamadas máquinas caça-níqueis são necessariamente fabricadas com componentes cuja importação, para esse fim, é proscrita, percebe-se que a internação de tais equipamentos no território nacional ou sua exploração comercial configura inegavelmente a prática do crime de contrabando (art. 334, § 1º, ‘c’ e ‘d’ do CP)”.


4. Quanto à autoria, verifica-se que, no topo da pirâmide da quadrilha, está o denunciado Pedro Arcanjo, de alcunha “Pedrinho da Máquina”, que administra de fato a empresa PA EMPREENDIMENTOS DE LAZER LTDA., a qual se dedica ao ramo do entretenimento, de acordo com o contrato social das fls. 202-210, mas que, em realidade, serve de fachada à exploração de máquinas caça-níqueis. Os documentos apreendidos durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão revelam que, por meio da empresa PA EMPREENDIMENTOS DE LAZER LTDA., Pedro Arcanjo arrenda determinadas áreas da cidade a empresários, para a exploração das máquinas caça-níqueis, em troca do pagamento de vultosas quantias mensais. Há filmagens e fotografias que corroboram a prova obtida com a interceptação telefônica, demonstrando que, vinculados ao líder Pedro Arcanjo, há funcionários encarregados do recolhimento do dinheiro pago pelo aluguel das máquinas, além de contadores, advogados e policiais civis encarregados da fiscalização e da repressão daqueles que descumprem as regras estabelecidas.


5. Pedro Arcanjo, assim, contando com a colaboração dos denunciados João de Jesus, Caio César da Silva, Mário André Fagundes, Jorge Augusto de Sá e Vinícius Santana, no período de junho de 2008 a abril de 2009, na cidade de Bagé/RS, explorou atividade comercial de mercadoria de procedência estrangeira (“noteiros”) introduzida clandestinamente no território nacional, desacompanhada de documentação legal.


6. Os cinco responsáveis pelo recolhimento do dinheiro correspondente ao aluguel das máquinas foram beneficiados com a suspensão condicional do processo, em outro feito desmembrado.


7. O denunciado João de Jesus, conhecido por “Toquinho” pelos demais comparsas, é o responsável pela contabilidade da organização criminosa.


Esse denunciado aparece em diálogos relevantes com os demais membros do grupo criminoso, demonstrando ser o responsável pelo controle do dinheiro arrecadado pela organização, sobretudo para a família de Pedro Arcanjo, a quem auxilia na ocultação e na dissimulação da origem do dinheiro obtido com a atividade de caça-níqueis. Verificou-se que a organização criminosa utiliza, principalmente, a atividade imobiliária para essa finalidade, sempre registrando os imóveis em nome de interpostas pessoas. João de Jesus, segundo revelam as provas, associou-se de forma estável e consciente ao grupo criminoso armado liderado por Pedro Arcanjo, possuindo destacada atuação na manutenção das atividades ilícitas da quadrilha. Em certos trechos das conversas interceptadas, João revela que a receita bruta da empresa PA EMPREENDIMENTOS DE LAZER LTDA,. no ano de 2006, foi de R$ 49.000.000,00 (quarenta e nove milhões de reais) e, no ano de 2007, de R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).


8. Nesse mister, ou seja, de escrituração da contabilidade, o denunciado João de Jesus era diretamente auxiliado por Caio César da Silva, de alcunha “Cabeça Oca”, responsável pelo pagamento das propinas, obtenção de informações junto aos órgãos públicos e outros assuntos operacionais. A interceptação telefônica revela que Caio ainda era a pessoa responsável pela tarefa de transportar os computadores e documentos da quadrilha existentes nos escritórios, diante de eventual investigação policial.


9. O denunciado Mário André Fagundes, por sua vez, presta assessoramento de inteligência ao grupo, realizando levantamento de informações sobre possíveis clientes interessados na locação das máquinas, fazendo filmagens sobre novos pontos prospectados no mercado, além de contar com uma rede de informantes nos mais diversos órgãos públicos. Há diversos trechos nas conversas interceptadas, a comprovar a atuação firme de Mário na manutenção das atividades da quadrilha (fls. 150–200 do apenso I).


10. Durante a investigação, verificou-se que o funcionamento do esquema dependia essencialmente da participação dos policiais civis Jorge Augusto de Sá, de alcunha “Jorginho”, e Vinícius Santana, que violaram seus deveres de ofício, deixando de apreender máquinas e de prender em flagrante aqueles que as colocam ilegalmente em seus estabelecimentos. Agindo desse modo, como demonstra a interceptação telefônica, os acusados revelaram fatos de que tinham ciência em razão do cargo que exerciam e que deveriam permanecer em segredo. Em 30.06.2008, em 20.07.2008 e em 14.11.2008, Jorge e Vinícius obtiveram e forneceram informações privilegiadas, com violação de sigilo funcional, acerca de quando e onde haveria operações destinadas à repressão dos caça-níqueis, repassando-as a Pedro Arcanjo.


Os policiais civis Jorge Augusto de Sá e Vinícius Santana, conhecido no meio policial por “Santana”, foram cooptados pela quadrilha para fiscalizar pessoas que decidissem explorar a atividade de caça-níqueis na região sem autorização de Pedro Arcanjo. A interceptação telefônica revela que Jorginho e Santana foram responsáveis por apreensões de máquinas de pessoas que não se sujeitaram ao pagamento imposto por Pedro Arcanjo pela exploração do ponto, a mando deste.


As interceptações telefônicas revelam, ainda, conversa entre Jorginho e Pedro Arcanjo, em 21.03.2009, na qual o policial civil menciona a futura aquisição de aparelhos para disfarçar a voz, a fim de melhorar a segurança da comunicação do grupo, de modo a burlar eventuais investigações policiais.


Ficou provado documentalmente nos autos que o policial civil Jorge Augusto de Sá recebeu altos valores da contravenção, em troca do repasse de informações aos envolvidos sobre ações policiais de repressão ao crime, bem como intercedeu diretamente para que fossem substituídos componentes de máquinas caça-níqueis pertencentes à quadrilha, apreendidas em investigação que tramitava na Delegacia de Polícia a que pertencia.


Além disso, Pedro Arcanjo, com o auxílio de Mário André Fagundes, durante o período de junho de 2008 a abril de 2009, ofereceu e fez promessa de vantagens financeiras indevidas a Jorginho e Santana, que as aceitaram, para que estes deixassem de praticar seus atos de ofício inerentes à atividade policial, e assim Jorginho e Santana, mediante ajuste prévio, deixaram de apreender máquinas caça-níqueis, efetuaram prisões em flagrante de outras pessoas e ofereceram força armada voltada à prática de crimes – principalmente repasse de informações privilegiadas. Fazem prova desses fatos, além da interceptação telefônica (fls. 305-408 do apenso II), os extratos bancários juntados aos autos (fls. 410-460 do apenso II) e os documentos apreendidos na sede da empresa PA EMPREENDIMENTOS DE LAZER LTDA. – contendo anotações de pagamento de propina aos denunciados (fls. 80-91 do apenso I). O áudio encartado revela conversas mantidas entre Pedro Arcanjo e os policiais civis denunciados, em que são combinados os pagamentos de propinas, ao menos em dez oportunidades distintas, ao longo do período investigado, para que os policiais efetuassem flagrantes de máquinas caça-níqueis do grupo rival, ou para que não procedessem ao registro de ocorrência e à prisão de integrantes da quadrilha.


11. A interceptação telefônica e os documentos apreendidos revelam, ademais, que Jorginho possui padrão de vida incompatível com sua profissão de policial civil (percebia um salário líquido de R$ 2.100,00 à época dos fatos), pois pagou R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) por um Audi GT 500 blindado no ano de 2007. Além disso, possui um apartamento de cobertura avaliado em R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), uma moto Harley Davidson 2006 e um carro Land Rover Defender 4x4 ano 2007. Encontra-se nos autos, ainda, uma fatura de cartão de crédito de mais de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).


12. Mediante intrincada rede tramada para a perpetração de crimes, os denunciados já mencionados associaram-se em quadrilha na espécie armada, isso em virtude da presença desses policiais e de outras pessoas armadas, para o fim de cometimento de crimes.


13. Após a análise do material apreendido durante a investigação e o afastamento do sigilo fiscal dos investigados e de seus familiares, verificou- se que Pedro Arcanjo, para ocultar ou dissimular a natureza, a origem, a localização, a disposição, a movimentação ou a propriedade de bens provenientes direta ou indiretamente de crime praticado por meio de organização criminosa, possuía, em nome de sua esposa e de seu cunhado, diversos imóveis adquiridos com o dinheiro angariado na prática de crimes de organização criminosa, tendo em vista a incompatibilidade do patrimônio com a sua renda declarada.


14. Por ocasião da busca e apreensão ocorrida na residência de Jorge Augusto de Sá, foram encontrados R$ 300.000,00 em espécie, além de uma moto Harley Davidson 2006 e um automóvel Land Rover Defender 4x4 ano 2007 utilizado pelo acusado, porém registrado em nome de seu sobrinho. Também foram apreendidos documentos comprovando que o imóvel em que o acusado residia, avaliado em R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), estava registrado em nome de seu sogro. Jorge Augusto, assim, para ocultar ou dissimular a natureza, a origem, a localização, a disposição, a movimentação ou a propriedade de bens provenientes direta ou indiretamente de crime praticado por meio de organização criminosa e contra a Administração Pública, adquiriu bens e registrou-os em nome de terceiros.


Na residência de Jorge Augusto, a polícia logrou apreender, ainda, uma arma de fogo calibre 44 de uso restrito e uma arma de fogo calibre 38, com numeração raspada, além de munição.


Decretou-se a prisão preventiva de todos os acusados em 20 de março de 2009 (fls. 91-98), para garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal.


Em maio de 2009, a autoridade policial representou pela remessa dos autos à 1ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre, especializada em Lavagem de Dinheiro, uma vez que as investigações revelaram fatos descritos na Lei nº 9.613/98. O Ministério Público Federal opinou favoravelmente e, em junho de 2009, o magistrado da Vara Federal de Bagé/RS proferiu decisão declinando da competência para o processo e julgamento do feito em favor da 1ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre/RS.


A denúncia foi recebida em 10.12.2009 pelo juiz titular da 1ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre/RS (fl. 1102). No mesmo ato, a pedido da defesa, determinou- se a instauração de incidente de insanidade mental em relação a Caio César, concedendo-se-lhe liberdade provisória mediante termo de compromisso de comparecimento a todos os atos do processo. Determinou-se o sobrestamento do processo até decisão final do incidente. O laudo concluiu pela semi-imputabilidade do réu, recomendando-se tratamento em razão da dependência ao álcool. Após homologado o laudo, cópia desse documento foi anexada aos autos principais (fls. 1105-1109).


Instaurou-se Procedimento Criminal Diverso, que foi autuado em apenso à ação penal, no qual houve decretação de sequestro inominado e subsequente inscrição de hipoteca legal dos bens imóveis pertencentes aos acusados Pedro Arcanjo e Jorge Augusto de Sá. No mesmo expediente, decretou-se, ainda, o sequestro de veículos automotivos pertencentes aos acusados nominados, fundado na existência de indícios de que os bens possuem proveniência ilícita. Realizou-se perícia que comprovou a aquisição dos bens no período das infrações penais apuradas no processo.


Em maio de 2010, como o laudo tardou a ser juntado aos autos do incidente de insanidade mental, os demais acusados foram soltos por excesso de prazo, mediante fiança e compromisso de comparecimento a todos os atos do processo.


A ação penal voltou a tramitar em julho de 2010 (fl. 1110).


Os réus foram citados (fls. 1229, 1230, 1231v., 1232v. e 1247). As defesas preliminares foram juntadas nas fls. 1249, 1251-1252, 1253-1254, 1255 e 1260.


Não havendo hipótese de absolvição sumária, determinou-se o prosseguimento do feito (fl. 1267).


Durante a instrução, foram inquiridos os policiais federais Joana Chagas, Antônio Lima e Francisco Nascimento, além do Delegado de Polícia Federal Euclides Lopes (fls. 1270, 1274, 1279 e 1283), os quais participaram efetivamente da investigação e confirmaram os encontros mantidos entre os denunciados em restaurantes da cidade de Bagé/RS, todos precedidos de áudio gravado com autorização judicial.


Foram ouvidas, ainda, as testemunhas de defesa, todas abonatórias, Nereu Viana (fls. 1297-8), Júlia Rosa (fls. 1299-1300), Tânia Silva (fls. 1301-1303) e Elizabeth Braga (fls. 1304-1306).


Os réus foram interrogados nas fls. 1320-1322 (Pedro Arcanjo), 1326-1330 (Caio César da Silva), 1331-1334 (Mário André Fagundes) e 1335-1338 (Jorge Augusto de Sá). João de Jesus não compareceu ao interrogatório nem justificou sua ausência, motivo pelo qual foi decretada sua revelia, expedindo-se mandado de prisão por quebra de fiança, para garantia da instrução penal e para assegurar a aplicação da lei penal, determinando-se o prosseguimento do feito (fl. 1323). O mandado de prisão de João de Jesus foi cumprido em 20.11.2011, procedendo-se ao seu interrogatório (fls. 1411- 1415).


Vinícius Santana peticionou requerendo a possibilidade de realizar acordo de colaboração premiada. Os autos foram remetidos para parecer ministerial. Nesse ínterim, sobreveio aos autos notícia de que o réu fora assassinado em emboscada ainda não esclarecida (fl. 1419). O atestado de óbito foi anexado na fl. 1420.


Todos os acusados negaram a autoria, à exceção do corréu João de Jesus, que admitiu sua atuação como contador da organização criminosa, afirmando, contudo, desconhecer a prática de atividades ilícitas no âmbito da empresa PA EMPREENDIMENTOS DE LAZER LTDA.


Na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, o Ministério Público Federal requereu a atualização dos antecedentes dos acusados, o que foi deferido (fl. 1424). Nada foi requerido pelas defesas nessa oportunidade (certidão da fl. 1425).


As certidões de antecedentes (juntadas nas fls. 1426-1440) revelam que Pedro Arcanjo responde a três ações penais como mandante de homicídio (fls. 1426-1429) e possui condenação (com trânsito em julgado no mês em curso) pela prática dos crimes de extorsão e cárcere privado (fls. 1430-1432); João de Jesus está indiciado em dois inquéritos policiais por sonegação fiscal (fls. 1433-1435); Caio César da Silva e Mário André Fagundes não registram antecedentes criminais; Jorge Augusto de Sá responde a ação penal por porte ilegal de armas (fl. 1436); e Vinícius Santana apresenta condenação relativa à prática de crime praticado no âmbito de violência doméstica contra mulher, ainda pendente de Recurso Especial (fl. 1437).


Em memoriais (fls. 1470-1500), o Ministério Público Federal requereu a condenação dos acusados, considerando provadas materialidade e autoria dos crimes narrados na inicial acusatória. Requereu, ainda, a perda em favor da União dos valores constantes nas contas bancárias e aplicações financeiras do acusado Pedro Arcanjo e de sua esposa, além de 18 imóveis dos acusados Pedro e Jorge, incluindo terrenos, uma mansão e uma cobertura, bem como dos veículos apreendidos cautelarmente, por entender que foram adquiridos com dinheiro ilícito, pois os réus não teriam capacidade financeira para adquiri-los. Em relação a Caio César, assevera que, a despeito da semi- imputabilidade do réu, reconhecida por decisão judicial, após a instauração de incidente de insanidade mental, as provas carreadas aos autos não deixam qualquer dúvida de seu atuar doloso, uma vez que o réu reconheceu, tanto em sede policial quanto em Juízo, ter ciência de que Pedro Arcanjo atuava como administrador de máquinas caça-níqueis e que essa era uma conduta vedada por lei. Desse modo, requereu a condenação dos réus pela prática dos crimes descritos na denúncia. Requereu, ainda, a juntada de certidão comprovando que o réu Pedro Arcanjo é reincidente em crime doloso (fl. 1501).


A defesa de Mário André Fagundes juntou aos autos certidão de óbito comprovando que o acusado faleceu de problemas cardíacos (fls. 1530-1535).


A defesa de Pedro Arcanjo, por seu turno, alega preliminarmente a nulidade das interceptações telefônicas porque havia outros meios de provar as condutas ilícitas descritas na denúncia, não tendo sido demonstrada a imprescindibilidade da medida. Além disso, as decisões que renovaram as prorrogações são praticamente cópias das decisões anteriores, razão pela qual padeceriam de vício insanável. No mérito, afirma que foram juntadas aos autos cópias de notas fiscais pertencentes à empresa PA EMPREENDIMENTOS DE LAZER LTDA. comprovando que houve regularidade na importação de alguns componentes que integram as máquinas apreendidas, o que descaracteriza o crime de contrabando e não se subsume ao crime de descaminho. Pede, assim, a desclassificação de contrabando para descaminho, pois a importação dos “noteiros” não é proibida no Brasil, uma vez que são utilizados em outros tipos de máquinas como as que vendem refrigerante, por exemplo. Pede a declinação da competência em relação à corrupção ativa para a Justiça Estadual, considerando que os corréus são policiais civis e não há conexão necessária entre o contrabando e a corrupção ativa. Em caso de eventual condenação, postula a aplicação de prisão domiciliar para o cumprimento da pena, pois o réu é diabético, sofre de problemas cardíacos e possui mais de 70 anos. Requer, ainda, a liberação de metade do seu patrimônio imobilizado por determinação judicial, por pertencer a sua esposa, sobre a qual se presume a boa-fé, sob pena de caracterização do confisco (1540-1560).


A defesa de Caio César afirma que o réu era um mero despachante na empresa PA EMPREENDIMENTOS DE LAZER LTDA. e desconhecia totalmente as práticas ilícitas perpetradas pelos demais acusados. Pede sua absolvição, considerando-se que o réu não tinha condições de entender o caráter ilícito dos fatos descritos na denúncia, de acordo com o laudo pericial acostado aos autos do incidente de insanidade mental (1562-1570).


A defesa de João de Jesus alega que o réu, como contador, apenas prestava serviços à empresa PA EMPREENDIMENTOS DE LAZER LTDA. e jamais integrou quadrilha alguma. Afirma que o réu desconhecia a prática de atividades ilícitas por parte dos administradores dessa empresa e, como prestador de serviços, jamais imaginou que seu comportamento violaria alguma norma penal, motivo pelo qual sua conduta é atípica, porque ausente o dolo, uma vez que agiu sob erro de tipo (1572-1580).


A defesa de Jorge Augusto de Sá, por seu turno, alega preliminarmente a nulidade do feito por violação ao princípio do juiz natural, porquanto os fatos foram investigados pelo juiz federal da Subseção Judiciária de Bagé/RS e a ação penal tramitou na Subseção Judiciária de Porto Alegre/RS. Assim, considerando ilegal a redistribuição dos autos após o juízo de Bagé/RS, prevento, ter proferido as decisões de quebra do sigilo bancário e de interceptação telefônica, requer a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia. Se rejeitada essa preliminar, requer a nulidade de toda a interceptação realizada na fase inquisitorial, porque decretada por juiz incompetente e sem que houvesse indícios concretos da ocorrência de crime, o que caracterizaria devassa exploratória. Pede, ainda, o afastamento da imputação do crime de violação de sigilo profissional, porque apenado com detenção e descoberto no bojo do monitoramento telefônico judicialmente autorizado, em flagrante violação do artigo 2º, III, da Lei nº 9.296/96. Afirma que o patrimônio do réu evoluiu aparentemente em descompasso com seu salário porque, na verdade, sua esposa recebeu uma herança no ano de 2005, conforme podem provar testemunhas cuja oitiva requer. Assevera que não teve tempo hábil de juntar prova nesse sentido, mas que o fará se for oportunizada pelo juízo a reabertura da instrução processual. Para tanto, em homenagem ao princípio da ampla defesa, requer a cisão do processo a fim de que possa fazer prova do alegado. No mérito, requer a absolvição de todos os crimes. Quanto ao crime de corrupção passiva, afirma ser imperativa decisão absolutória, por não terem sido indicados na denúncia todos os atos de ofício praticados, omitidos ou retardados pelo réu (1590-1620).


É o relatório.


Com base no relatório acima, de situação hipotética, elabore sentença criminal (contendo fundamentação, dosimetria e dispositivo).

Resposta Nº 002027 por João Josué


                II. Fundamento

                II. Preliminares e prejudiciais de mérito

                A análise das preliminares e prejudiciais será por matéria em razão das diversas defesas terem apresentados os mesmos pontos:

                As defesas do réu Mário André Fagundes e do réu Vinícius Santana alegam a extinção da punibilidade pela morte, CPP-69, CP-107. Razão assiste às defesas, por apresentarem documento idôneo que bem demonstra a morte (fl. 1420, fls. 1530-1535), conforme entendimento jurisprudencial, assim, está extinta a punibilidade dos réus Mário André Fagundes e Vinícius Santana, nos termos do artigo 107, I, do CP. Embora esta questão seja tratada em preliminar, as condutas dos réus Mário e Vinícius devem ser analisadas e consideradas no mérito, tendo em vista suas contribuições na empreitada criminosa, até mesmo para as penas de perdimento de bens.

                A defesa do réu Caio César alega a absolvição imprópria em razão do incidente de insanidade mental atestar a inimputabilidade do réu, conforme documentos nos autos (fl. 1562-1570), no entanto, como ressaltado pelo Ministério Público Federal, a sua semi-imputabilidade não tem o condão de aplicar-lhe a absolvição imprópria (artigo 386, VI, do CPP), mas a redução de pena, conforme o artigo 26, parágrafo único, do CP.

                A defesa de Jorge Augusto de Sá alega uma questão procedimental relativa à produção de prova testemunhal se reabrisse a fase instrutória, por não ter tido tempo de produzir, que teria o condão de atestar a ausência de materialidade, cujo conteúdo seria fruto da herança recebida por sua mulher, e a cisão processual para fazer prova do alegado.

                A produção de prova após a fase da instrução como pretendido pela defesa de Jorge Augusto de Sá está preclusa, pois não requerida antes do fim da fase instrutória, além de não ser o meio de prova hábil a demonstrar sua evolução patrimonial, fugindo a um standard probatório, v. g., matrículas de imóveis, testamento atribuindo patrimônio.

                O réu poderia ter apresentado em qualquer fase esses documentos, nos termos do artigo 231, do CPP, mas não apresentou, pois o módulo probatório requerido não foi observado. Assim, a cisão processual é inconveniente, tanto em razão da preclusão, quanto da inobservância do meio de se provar ser inadequado. Portanto, rejeita-se esta preliminar.

                A preliminar de incompetência sobre a violação do juiz natural pela ilegal redistribuição dos autos, pois os réus teriam sidos investigados pelo Poder Judiciário de Bagé/RS e a ação tramitado em Porto Alegre/RS, sendo aquele prevento em razão de ter proferido decisões de quebra de sigilo bancário e interceptação telefônica na fase inquisitorial.

                Conforme jurisprudência, o fato de haver um juiz proferido decisões em fase inquisitorial e a ação tramitada em outro juízo não tem o condão de, por si só, ser incompetente em razão da redistribuição ou prevenção.

                Os fatos apontam que em depoimento de testemunha em inquérito que investigava a prática de distribuição de moeda falsa, chegou ao conhecimento da Polícia Federal a existência de quadrilha dedicada à exploração de jogos de azar. Em razão desse encontro furtuito de provas é que aqui se apresenta esses fatos, ou seja, na cidade de Bagé/RS houve a investigação, decretação de medidas preventivas, tais como quebra de sigilo bancário, interceptação telefônica, ação controlada, prisão preventiva.

                O juiz federal de Bagé/RS declinou a competência para o juízo de Porto Alegre/RS. Não houve interposição de recurso pelas defesas, ocorrendo o fenômeno da perpetuação da jurisdição, bem como a ausência de demonstração de prejuízo pelo deslocamento do feito para vara especializada, conforme resolução do Conselho da Justiça Federal. E, ainda, não seria possível a alegação de que as medidas preventivas aplicadas pelo juízo de Bagé/RS teriam força de preveni-lo, nos termos do artigo 75, parágrafo único, do CPP.

                Não há violação ao princípio do juiz natural, artigo 5º, LIII, da CF/88: a especialização de vara em nada altera a competência da Justiça Federal para o julgamento da matéria (artigo 109, IV, V e VI, da CF/88), considerando que a especialização tem a finalidade de melhorar a prestação jurisdicional. Não há alteração do juiz natural, rejeita-se esta preliminar.

                Sobre a competência da Justiça Federal em razão da corrupção ativa dos corréus policiais, há conexão com o contrabando. Há conexão: pessoal, probatória e por conexão teleológica. Conforme consta nos autos, os corréus estruturaram a quadrilha para fins de cometimento de crimes, tanto que, pela dificuldade na utilização dos instrumentos investigatórios tradicionais não se obteve êxito, necessitando de mecanismo mais complexo, com retardamento de flagrantes ou impedimento de diversas consumações (uso da ação controlada). Os crimes de corrupção ativa e o de contrabandos estão ligados em razão daqueles ser utilizados para a consumação destes, influindo, circunstancialmente, nos elementos do contrabando, v. g., omissão em fiscalizar e reprimir as regras estabelecidas (omissão em apreender máquinas e de prender em flagrante os que colocavam ilegalmente em seus estabelecimentos) – conforme itens 4 e 10 da denúncia.

                Deste modo, está presente o interesse na manutenção da conexão entre a corrupção ativa e o contrabando, Jorge Augusto de Sá e Vinícius Santana tiveram importante função na quadrilha. Há farta documentação demonstrando a sofisticação e repartição de tarefas atribuídas aos corréus policiais: interceptação telefônica (fls. 305-408, apenso II); extratos bancários (fls. 410-460, apenso II); documentos apreendidos na sede da empresa PA EMPREENDIMENTOS DE LAZER LTDA, contendo anotações de pagamento de propina aos denunciados (fls. 80-91, apenso I). Assim, resta evidenciada a utilidade na manutenção dos corréus policiais civis nestes autos em razão da conexão.

                Sobre a nulidade processual em razão da interceptação telefônica, sua prescindibilidade, sucessivas prorrogações, de ter originado de crime apenado por detenção, por ter sido por descoberta fortuita e ferir o inciso III do artigo 2º da Lei 9.296/96, ter sito atividade de prospecção.

                A interceptação telefônica foi determinante para o desmantelamento da quadrilha, haja vista que o meio para sua utilização era imprescindível, conforme narrado nos autos, a participação de policiais civis presentes na sofisticada estrutura da quadrilha impôs meios invasivos, justificados por indícios concretos (artigo 5º, § 3º, do CPP), corroborados por depoimento de uma testemunha em inquérito que investigada suposta prática de distribuição de moeda falsa.

                O magistrado, na fase de investigação, em Bagé/RS, relatou as dificuldades na obtenção da prova, v. g., pelo perfil técnico dos investigados, pelo alto risco existente nas localidades em que as diligências deveriam ser realizadas (fls. 40-49). As sucessivas prorrogações da interceptação telefônica também tem fundamento nestes fatos, posteriormente comprovados em conversa entre Jorge Augusto Sá e Pedro Arcanjo, em 21.03.2009, no qual aquele menciona a necessidade de aquisição de aparelhos para disfarçar a voz, a fim de melhorar a segurança da comunicação do grupo, de modo a burlar eventuais investigações policiais – conforme item 10 da denúncia.

                A descoberta fortuita em sede de crime apenado com detenção não macula a origem da interceptação, pois a interceptação é do crime apenado com reclusão e não daquele que serviu de base para a sua descoberta, portanto, afasta-se esta mácula.

                Por outro lado, não se pode afirmar-se que a atividade de interceptação foi de prospecção e as sucessivas prorrogações foram decorrentes de não ter encontrado fatos criminosos, em razão da sofisticação da estrutura criminosa: há interceptação em que os réus policiais civis salientam a necessidade de aquisição de aparelho para modular a voz com fins de aumentar a segurança da conspiração. Através de depoimento de testemunha em outro inquérito, somados às dificuldades de obtenção de dados, de identificação de autores, ao qual foi requerido (fls. 23-27) e o Ministério Público Federal opinou favoravelmente (fls. 29.38).

                Portanto, antes de demonstrar a imprescindibilidade da medida invasiva, a autoridade policial procedeu às investigações preliminares (artigo 5º, § 3º, do CPP), encontrando dificuldades para determinar seus autores, tal como dispõe o artigo 2º, II, da Lei 9.296/96. Assim, a medida era de rigor, tal como é de rigor a rejeição desta preliminar.

 

                II.2. Mérito

                II.2.1. Artigo 334, § 1º, “c” e “d”, do CP (trinta vezes)

                A materialidade do crime de contrabando está comprovada pelos 30 autos de apreensões de 200 máquinas caça-níqueis, ocorridas ao longo de dez meses de investigação (fls. 25 a 80, apenso I), laudos periciais (fls. 150-230, apenso I) afirmando que as máquinas contem o componente conhecido por “noteiros”, cuja exploração para fins de utilização em máquinas caça-níqueis, videobingo, videopôquer, bem como quaisquer outras máquinas eletrônicas programáveis (MEP) para exploração de jogos de azar, conforme artigo 105, XIX, do Decreto-Lei 37/66 e da Portaria SECEX n. 7/2000, ratificada pela Portaria n. 02/05, da Secretaria de Comércio Exterior.

                Está comprovada a utilização de “noteiro” na exploração das máquinas caça-níqueis, conforme item 6 da peça acusatória, os cinco responsáveis pelo dinheiro arrecadado com o aluguel das máquinas foram beneficiados com a suspensão condicional do processo em autos desmembrados.

                Autoria delitiva para o contrabando está presente, considerando a ação livre de Pedro Arcanjo, João de Jesus (contador) e Caio César da Silva, aos quais utilizaram “noteiro” para fins de funcionamento de máquinas de caça-níqueis. Utilizavam o aplicativo sem a correspondente documentação legal, ou seja, com infringência ao artigo 105, XIX, do Dec.-Lei 37/66, e suas regulamentações.

                 Estão presentes a vontade de agir e a consciência para utilizar as máquinas de caça-níqueis contendo produto de procedência estrangeira proibida. Sabiam que as máquinas funcionariam apenas com tal mecanismo. O falecido Mário André Fagundes era o responsável pela filmagem e gravação de novos pontos prospectados no mercado, “além de contar uma rede de informantes nos mais diversos órgãos públicos”, finalidade desses informantes era a de prevenir eventuais operações de apreensões, conforme narrativa acusatória, item 9.

                É típico o uso dos “noteiros”, pois caracterizados como mercadoria proibida do qual diz o tipo no artigo 105, XIX, do Decreto-Lei 37/66 e da Portaria SECEX n. 7/2000, ratificada pela Portaria n. 02/05, da Secretaria de Comércio Exterior. Deste modo, as notas fiscais e regularidade das transações não afastam a tipicidade e a ilicitude, há clara proibição de que a regularidade das transações e as notas fiscais não têm o condão de afastar o artigo 105, XIX, em comento. Assim, é de rigor a condenação dos réus Pedro Arcanjo, João de Jesus e Caio César da Silva.

                Portanto, essas normas não deixam dúvida que à importação de “noteiros” não se pode aplicar a analogia como se tratasse de máquinas de refrigerantes, pois há proibição expressa da vedação de “noteiros” para fins de uso em máquinas caça-níqueis.

                No entanto, verifica-se que Caio César da Silva teve laudo atestando sua semi-imputabilidade em incidente de insanidade mental, mas sua atuação era imprescindível, pois agira na movimentação de ativos consistente em pagamento de propinas, na obtenção de informações junto aos órgãos públicos, enfim, era um membro operacional também responsável para o deslocamento de computadores, documentos em caso de eventual investigação criminosa, a demonstrar seu dolo de que tinha conhecimento do caráter ilícito do fato. Também é de rigor sua condenação, mas com a redução do parágrafo único do artigo 26 do CP em razão de sentença em incidente de insanidade mental.

 

                II.2.2. Artigo 333, do CP (dez vezes)

                A materialidade da corrupção passiva na “contratação” de contadores, advogados e policiais civis “encarregados da fiscalização e da repressão daqueles que descumprem as regras estabelecidas”, conforme as filmagens e fotografias que complementam a prova obtida através das interceptações telefônicas – item 4 da peça acusatória. Há documentação nos autos de que Pedro Arcanjo ofereceu altos valores originados da contravenção para Jorge Augusto de Sá para que repassasse informações sobre ações policiais de repressão ao crime.

                Pedro Arcanjo, auxiliado por Mário André Fagundes, durante o período de junho de 2008 a abril de 2009, ofereceu e fez promessa de vantagens financeiras indevidas a Jorginho e Santana, que aceitam, deixando de praticar atos de ofício inerentes aos seus cargos, ajustando, previamente, omitiram na apreensão de máquinas caça-níqueis, efetuaram prisões em flagrante de outras pessoas, ofereceram força armada voltada à prática de crimes, especialmente o repasse de informações. As provas dos fatos: interceptação telefônica (fls. 305-408, apenso I); extratos bancários (fls. 410-460, apenso II); documentos apreendidos na sede da empresa PA EMPREENDIMENTOS, contendo anotações de pagamento de propina aos denunciados (fls. 80-91, apenso I).

                Assim, as autorias e os elementos subjetivos dos réus Pedro Arcando e Mário André Fagundes estão provadas com fartura: agiram livremente, com vontade e consciência para corromper os policiais civis Jorge Augusto de Sá e Vinícius Santana para omitirem nos seus deveres funcionais. De fato houve omissão consistentes em não apreensão das máquinas caça-níqueis da conspiração, ainda, os policiais asseguraram que fossem punidos os que atrapalhavam o empreendimento criminoso de Pedro e Mário.

                Há eventos que demonstram a tipicidade das condutas dos réus Pedro Arcanjo e Mário André Fagundes em oferecer vantagem indevida a funcionário público para que omitissem no seu mister, o que de fato ocorreu: há farta documentação demonstrando o oferecimento e outro tanto demonstrando a efetiva omissão. Portanto, é de rigor a condenação de Pedro e Mário.

                No entanto, com a morte do réu Mário André Fagundes (atestado de óbito às fls. 1530-1535), é de rigor a extinção da punibilidade conforme o artigo 107, I, do CP, devendo ser considerado, para fins de perdimento de bens, o acréscimo patrimonial advindo da empreitada criminosa.

 

                II.2.3. Artigo 317, § 1º, do CP (cinco vezes) e artigo 325, do CP (cinco vezes)

 

                As materialidades dos crimes de corrupção passiva e violação de sigilo funcional estão provadas documentalmente nos autos, os corréus Jorge Augusto de Sá e Vinícius Santana receberam altos valores da contravenção, como moeda de troca de “informações aos envolvidos sobre ações policiais de repressão ao crime, bem como intercedeu diretamente para que fossem substituídos componentes de máquinas caça-níqueis pertencentes à quadrilha, apreendidas em investigação que tramitava na Delegacia de Polícia a que pertenciam”, conforme narrado na denúncia, item 10.

                Não há que suscitar da nulidade da prova obtida pela interceptação telefônica quanto ao crime de sigilo funcional, apenado com detenção, pois este fora descoberto em razão de investigação de crime apenado com reclusão, onde as circunstâncias se entrelaçavam, portanto, descoberta inevitável, nos termos do artigo 157, § 2º, do CPP.

                A autoria da corrupção ativa de Jorge Augusto de Sá e Vinícius Santana está presentes no recebimento de altos valores e se não bastasse, na omissão em deixar de praticar ato de ofício consistente em “apreender máquinas caça-níqueis, efetuaram prisões em flagrante de outras pessoas e ofereceram força armada voltada à prática de crimes – principalmente repasse de informações privilegiadas”, conforme narrado na denúncia, item 10.

                A autoria da violação de sigilo funcional dos corréus policiais está provada pela interceptação telefônica de que eles relevavam fato em razão da função e que não deveriam deixar de ser segredo, pois mediante aviso prévio, deixaram de apreender máquinas caça-níqueis da quadrilha aos quais foram cooptados. Agiram com vontade livre e consciente, tanto no recebimento de valores, na omissão de apreensão das máquinas caça-níqueis e avisaram quando da empreitada repressiva às máquinas da quadrilha.

                Portanto, são típicas as condutas dos corréus pelo recebimento de valores para deixar de praticar ato em razão de suas funções, conforme o artigo 317, § 1º, do CP. Da mesma forma que é clara a tipicidade da conduta de revelar segredo em razão do cargo, conforme artigo 325, do CP.

                Não resta dúvida que é de rigor a extinção da punibilidade do réu Vinícius de Sá, pois juntou documentação hábil (fl. 1420), conforme o artigo 107, I, do CP.

 

                II.2.4. Artigo 1º, V e VII, da Lei 9.613/98

                A materialidade para o inciso V está presente, pois o réu Jorge Augusto de Sá omitiu-se na prática de atos administrativos aos quais deveria ter realizado, quais seja a apreensão de máquinas caça-níqueis, e o recebimento dos valores pela omissão foi transformado na aquisição de vários bens e registrado em nome de terceiros, em razão do cumprimento de mandado de busca e apreensão em sua residência, quais sejam: R$ 300.000,00 em espécie; moto Harley Davidson 2006; automóvel Land Rover Defender 4x4 ano 2007 (registrado em nome do sobrinho); imóvel em que residia avaliado em R$ 2.000,00 (registrado em nome do sogro); arma calibre 44 de uso restrito e arma de fogo calibre 38, com numeração raspada, além de munição.

                Portanto, pela comprovação da materialidade é possível inferir a autoria do réu Jorge Augusto de Sá: sua ação foi empreendida com ampla e clara intenção de dissimular valores vertidos pelo modo de registrar de bens móveis e imóveis em nome de outrem. Também é inconteste a vontade livre e consciente em dissimular os ganhos ilícitos.

                Deste modo, a conduta de Jorge Augusto de Sá é típica, pois com recebimento de valores pelo seu ato omissivo previsto no artigo 317, § 1º, do CP, dissimulou a origem dos valores recebidos transformando-os em bens com titularidade de outrem. Portanto, típica e ilícita, completando o ciclo do injusto, é de rigor sua condenação.

                Já, a lavagem praticada por Pedro Arcanjo foi através da quadrilha (que será abaixo fundamentada). O crime antecedente foi ter utilizado a quadrilha para praticar o lavar o dinheiro sujo originado da atividade empreendida através de máquinas caça-níqueis.

                A materialidade para a dissimulação de Pedro Arcanjo está comprovada pelos 30 autos de apreensões de 200 máquinas caça-níqueis, laudos periciais (fls. 150-230, apenso I), sendo que a sofisticada quadrilha utilizou de pessoa jurídica PA EMPREENDIMENTOS DE LAZER LTDA com finalidade de atividade imobiliária de registro de imóveis em nome de interpostas pessoas. Ainda, trechos de conversas interceptadas nos autos demonstram que a receita bruta da empresa em 2006, de R$ 49.000.000,00, em 2007, de R$ 60.000.000,00.

                Deste modo, não resta dúvidas de que a autoria do réu Pedro Arcanjo para a dissimulação da origem dos valores recebidos está presente. Pedro Arcanjo é o autor, praticou a conduta de dissimular, com vontade livre e consciente de querer transformar o que recebeu ilicitamente, como objeto de crime praticado por ele através de organização criminosa.

                A conduta de Pedro Arcanjo é típica, dissimulou a origem de valores provenientes de crime praticado por organização criminosa, utilizando ativos provenientes máquinas caça-níqueis que conseguiu pela PA EMPREENDIMENTOS DE LAZER LTDA. Deste modo, é de rigor a sua condenação.

 

                II.2.6. Artigo 288, parágrafo único, do CP

                A materialidade para o crime de quadrilha está mais que provada nos autos, os réus utilizavam a empresa PA EMPREENDIMENTOS DE LAZER LTDA, comandada por Pedro Arcanjo, a qual se dedica ao ramo do entretenimento, conforme contrato social (fls. 202-210), mas utilizada de fachada à exploração de máquinas caça-níqueis, conforme item 4 da denúncia.

                Ainda, consta que conforme o item 1 da peça acusatória, o grupo atuava desde 2008, quando ocorreram as primeiras apreensões, “[...] ao final das investigações, vinte pessoas foram indiciadas e, por decisão judicial, a investigação foi cindida em três grupos, conforme a área de atuação de cada cédula criminosa”.

                No entanto, a empresa PA EMPREENDIMENTO era utilizada para a atividade mobiliária. A quadrilha valia-se dos valores obtidos pela exploração das máquinas caça-níqueis, dissimulavam a origem desses valores vertendo-os em registro de bens móveis e imóveis com a ajuda da família de Pedro Arcanjo, fazendo-se terceiras pessoas interpostas.

                As autorias para a associação e o elemento subjetivo estão presentes e foram provadas ao longo dos autos. Todos os réus participaram com a divisão de tarefas, colaboraram circunstancialmente com intento conspiratório de associar-se para fins de cometimento de crimes:

                i) Pedro Arcanjo era o mandante da quadrilha, administrava de fato a empresa PA EMPREENDIMENTO DE LAZER LTDA, arrendava determinadas áreas da cidade a empresários, lavou o dinheiro sujo obtido pela exploração das máquinas caça-níqueis, dissimulando a origem de valores com essa exploração, arrendava determinadas áreas da cidade para empresários, cooptou os policiais civis Jorge Augusto de Sá e Vinícius Santana;

                ii) João de Jesus confessou ser o contador da PA EMPREEENDIMENTO, praticando sua atividade de forma lícita, mas não é o que demonstra as interceptações telefônicas, a demonstrar que sua ação era a de coadjuvar na obtenção de valores para a família de Pedro Arcanjo, a quem auxiliava na ocultação e dissimulação da origem do dinheiro explorado pelas máquinas de caça-níqueis;

                iii) Caio César da Silva era auxiliado por Caio César da Silva, responsável pelo pagamento de propinas, obtenção de informações junto aos órgãos públicos e outros assuntos operacionais. A interceptação telefônica revelou que Caio era o responsável para transportar computadores, documentos da quadrilha existentes nos escritórios;

                iv) Mário André Fagundes atuava assessoramento na inteligência do grupo, realizava levantamento de informações sobre possíveis clientes interessados na locação das máquinas, fazendo filmagens sobre novos pontos que pudessem ser explorados, tinha uma rede de informantes em órgãos públicos, conforme interceptação (fls. 150-200, apenso I);

                v) os policiais civis Jorge Augusto de Sá e Vinícius Santana tiveram atuação decisiva no sucesso da empreitada criminosa, conforme demonstra a interceptação, em 30.06.2008, em 20.07.2008 e em 14.11.2008, eles obtiveram e forneceram informações privilegiadas, com violação de sigilo funcional, acerca de quando e onde haveria operações destinadas à repressão dos caça-níqueis, repassando-as a Pedro Arcanjo. Também, empreenderam no aprimoramento e encobrimento da conspiração, quando, em 21.03.2009, menciona a futura aquisição de aparelhos para disfarçar a voz, a fim de melhorar a segurança da comunicação do grupo, conforme demonstram as interceptações telefônicas.

                Deste modo, está presente a tipicidade do crime de quadrilha. Há mais de uma década o grupo criminoso apresenta sólida vontade e consciência de agirem com estabilidade, permanência, divisão de tarefa e com mais de três comparsas. Foi ouvido nos autos policiais federais, delegado federal (fls. 1270, 1274, 1279 e 1283) aos quais participaram efetivamente da investigação e confirmaram os encontros mantidos entre os denunciados em restaurantes da cidade de Bagé/RS, todos precedidos de áudio gravado com autorização judicial.

                O especial fim de agir “para o fim de cometer crimes” está demonstrado nos autos pelos diversos e variados tipos penais, violando diversos bens jurídicos, contra a paz pública, a Administração Pública e a Ordem Econômica. Não se está punindo os acusados pela prática contravencional de jogos de azar (artigo 50, do Dec.-Lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais), mas a utilização de mercadoria proibida “noteiros”, e sem o respectivo documento de autorização, a corrupção ativa, a lavagem do dinheiro sujo.

                A defesa do réu João de Jesus alegou erro te tipo, dizendo que o mesmo não participou da quadrilha. Confessou que atuava como contador e não praticava nenhum ilícito. No entanto, há vasta prova obtida por interceptação telefônica onde demonstra que o réu João de Jesus atuava para obter dinheiro para a família de Pedro Arcanjo, ora, tal fato já demonstra que desviava da pessoa jurídica para o patrimônio de pessoas físicas, coadjuvando Pedro Arcanjo na lavagem do dinheiro sujo. Portanto, é de rigor afastar a alegação de erro de tipo.

                Embora tenha havido a semi-imputabilidade de Caio César da Silva (alcunha de “Cabeça Oca”), e as mortes de Vinícius Santana (quando ia realizar a delação premiada) e Mário André Fagundes (problemas cardíacos), não têm o condão de afastar o elemento típico “mais de três pessoas”. Não se deve considerar o elemento da contemporaneidade, mas o do momento da atuação da quadrilha para fins de preenchimento do elemento subjetivo.

                É de salientar que toda a conspiração empreendida pelos réus foi estruturada utilizando-se de armamento, tendo a presença de dois policiais civis para a manutenção da associação, o uso ostensivo de armas ficou demonstrado pela atuação dos corréus na prisão em flagrante de quem não participava do empreendimento criminoso engenhosamente estruturado por Pedro Arcanjo. Ainda, colabora para tais conclusões a busca e apreensão na residência de Jorge Augusto de Sá, arma de uso restrito, calibre 44, e calibre 38, com numeração raspada, além de munição.

                Todos os integrantes da quadrilha sabiam da utilização das armas pelos corréus policiais, comprovadamente pelas apreensões de máquinas caça-níqueis de concorrentes, prisões em flagrante, tudo quanto precisava liquidar com a concorrência, “ofereceram força armada voltada à prática de crimes” conforme item 10 da denúncia apoiada em interceptação telefônica. Assim, é de rigor a majoração.

                Com a majoração do parágrafo único do artigo 288 do CP é de rigor a absorção pela utilização de armas, bem como as que encontradas na residência do réu Jorge Augusto de Sá.

                Além da majoração, é de rigor o reconhecimento da agravante da Parte Geral do Código Penal pressente no inciso I do artigo 62 ao réu Pedro Arcanjo, conforme consta na peça acusatória no item 4, era o mandante. Assim, por estar implícita na peça acusatória, não há quebra da congruência a aplicação da agravante, conforme jurisprudência do STJ, não violando o artigo 385, do CPP.

 

                II.2.7. Concurso material de crimes e continuidade delitiva

                É possível a aplicação de concurso de crimes sem que haja bis in idem, conforme a doutrina. A distinção e aplicação do concurso de crimes ao crime de quadrilha ou bando são de rigor:

                a uma, pois a finalidade associativa, pelo concurso necessário para fins de cometimento de crimes é instantâneo, formal, e recaindo sobre a intenção em associar-se, podendo ser consumado sem que nenhum crime venha a ser praticado;

                a duas, pois o concurso de crimes recai na sucessividade das condutas criminosas para as quais foram associados os réus, associação para cometerem juntos, seja com crimes determinados ou não, seja com modos executivos uniformes ou aleatórios; e,

                a três, pois há relativa independência entre o crime de associar-se para fins de cometimento de crimes e a atuação criminosa da quadrilha, a evidenciar a distinção e autonomia, v. g., cada coautor será punido pelo ato que praticar, Pedro Arcanjo, valendo-se da quadrilha, cometeu o crime de corrupção ativa, contrabando e lavagem (artigo 1º, VII, da Lei 9.613/98), enquanto Jorge Augusto de Sá, valendo-se da quadrilha, cometeu o crime de corrupção passiva, violação de sigilo funcional e lavagem (artigo 1º, V, da Lei 9.613/98). Assim, v. g., não se comunica o crime contra a Administração Pública praticado pelo funcionário público policial civil ao réu Pedro, pois esse praticou a corrupção passiva para que aquele revelasse segredos.

                Deste modo, é possível distinguir por núcleo de imputação a atuação criminosa de cada réu, atuando com continuidade delitiva ou em concurso material de crimes.

                Para a continuidade delitiva, têm-se os grupos de imputação:               i) artigo 317, § 1º, do CP (cinco vezes) – reús Jorge Augusto de Sá e Vinícius Santana; ii) artigo 333, do CP (10 vezes) – réus Pedro Arcanjo e Mário André Fagundes; iii) artigo 334, § 1º, “c” e “d”, do CP (30 vezes) – réus Pedro Arcanjo, João de Jesus, Caio César da Silva e Mário André Fagundes; iv) artigo 325, do CP (cinco vezes) – Jorge Augusto de Sá e Vinícius Santana.

                Todos esses crimes em continuidade delitiva estão em concurso material com: i) artigo 288, parágrafo único, do CP – todos os réus; ii) artigo 1º, V, da Lei 9.613/98 – réu Jorge Augusto de Sá; iii) artigo 1º, VII, da Lei 9.613/98 – réu Pedro Arcanjo.

                Deste modo, pela sofisticação da estrutura em que os réus atuaram, é de rigor a aplicação da continuidade delitiva do artigo 71, do CP, no grau máximo, da mesma forma para o cúmulo material do artigo 69, do CP.

 

                III. Dispositivo

                Julgo parcialmente a pretensão acusatória do Ministério Público Federal para:

                a) extinguir as punibilidades dos réus Mário André Fagundes e Vinícius Santana, nos termos do artigo 107, I, do CP;

                b) rejeitar a preliminar de produção de prova testemunhal pela defesa de Jorge Augusto de Sá, por estar preclusa e por não ser o meio de prova adequada, bem como a cisão processual, por ser facultativa e inconveniente, nos termos do artigo 80, do CPP;

                c) rejeitar as questões preliminares de incompetência da Justiça Federal, e de nulidades processuais;

                d) condenar os réus Pedro Arcanjo, João de Jesus, Caio César da Silva, Jorge Augusto de Sá, nos crimes de artigos 317, § 1º, do CP (cinco vezes), 325 (cinco vezes), 333, parágrafo único (10 vezes), 334, § 1º, “c” e “d” (trinta vezes), 228, parágrafo único, todos do Código Penal, artigo 1º, V e VII, da Lei 9.613/98, c/c artigos 69 e 71, ambos do Código Penal.

                Deste modo, passo a dosimetria da pena, nos termos do artigo 68, do CP.

 

                IV. Dosimetria da pena

 

                IV.1. Réu Pedro Arcanjo

                A culpabilidade do réu Pedro Arcanjo apresenta-se exacerbada em relação aos delitos cometidos, há nos autos elementos que possam negativar essa circunstância, atuou com vontade de conspirar com outras pessoas para fins de cometer crimes, praticando crimes contra a Administração Pública (corrupção ativa, contrabando) e contra o sistema financeiro nacional com a lavagem do dinheiro sujo, cooptando policiais, contadores, advogados e utilizando de membros de sua família para ocultar e dissimular as origens espúrias dos valores objeto de crimes. Há carga negativa.

                Ostenta maus antecedentes, possui condenação com trânsito em julgado no mês em curso pela prática dos crimes de extorsão e cárcere privado (fls. 1430-1432), portanto, há carga negativa; sobre a reincidência em crime doloso (fl. 1501), será apreciada na segunda fase. Sua personalidade surge de uma pessoa dada ao mundo do crime, sua conduta social faz crer que é homem cooptado pelo mau, pelo atuar delituoso, não respeitando as instituições, portanto, possui carga negativa.

                As circunstâncias judiciais do crime e consequências do crime pela intrincada, sofisticada estrutura repartida, com a orientação intelectual e atribuição de tarefas aos demais réus, Pedro Arcanjo violou a paz pública, implicada por colaborar na fragilização das instituições públicas, com a cooptação de agentes públicos em seus intentos conspiratórios, igualmente para fragilizar o sistema financeiro nacional, criando artificialmente a inserção de ativos tidos como ilícitos, prejudicando todo o sistema, especialmente o registro público, portanto é de rigor as cargas negativas.

                Os motivos que estão presentes na violação da paz pública, na cooptação de agentes públicos é um só: o acréscimo patrimonial decorrente da dissimulação e integração do capital ilícito dando-o como legítimo, ínsito e imanente ao tipo da lavagem, sem carga negativa. Os comportamentos das vítimas são irrelevantes.

                Deste modo, a pena-base deve ser de: i) 9 anos e 1 mês de reclusão para o crime do artigo 333, do CP; ii) 3 anos e 1 mês de reclusão para o crime do artigo 334, § 1º, “c” e “d”, do CP; iii) 8 anos de reclusão para o crime do artigo 1º, VII, da Lei 9.613/98; iv) 4 anos e 6 meses para o crime do artigo 288, parágrafo único, do CP.

                Na segunda fase, aplica-se o entendimento do STF sobre a agravante do artigo 62, I, do CP, majorando a pena do artigo 288, do CP, em 1/3, atingindo a pena provisória de 6 anos, para o mandante da quadrilha. Nos demais crimes, deve-se aplicar o entendimento do TRF4R para a reincidência quando houver concurso de crimes, aplicando para todos eles a agravante, em 1/6, a pena será de i) 10 anos e 7 meses de reclusão para o crime do artigo 333, do CP; ii) 3 anos e 7 meses de reclusão para o crime do artigo 334, § 1º, “c” e “d”, do CP; iii) 9 anos e 4 meses de reclusão para o crime do artigo 1º, VII, da Lei 9.613/98.

                Não se aplica, portanto, ao crime do artigo 288, parágrafo único, do CP, a reincidência, tendo em vista que o agravamento não pode ultrapassar a pena máxima in abstrato.

                Na terceira fase, há circunstância legal de aumento de 1/3 do parágrafo único do artigo 333 do CP, alcançando a pena de 14 anos e 1 mês. Nos demais crimes, permanecem como da pena-base, mas não definitivamente.

                Ainda, há a continuidade delitiva: i) artigo 333, do CP, em dez vezes, aumentando-se a pena de 2/3, pela reiteração, conforme jurisprudência do STJ, atingindo a pena de 22 anos e 1 mês de reclusão; ii) artigo 334, § 1º, “c” e “d”, do CP, em trinta vezes, aumentando-se a pena de 2/3, pela reiteração, conforme jurisprudência do STJ, atingindo a pena de 5 anos e 11 mês.

                Aplicação do concurso material de crimes do artigo 69, do CP, tem-se a pena de 43 anos e 4 meses de reclusão.

                Pelo sistema bifásico de aplicação da multa, atendendo-se aos critérios dos artigos 49 e 60, do CP, e às circunstâncias judicias e legais com carga negativa já analisada, fixo a pena de multa em: i) 2.500 dias-multa para o artigo 333, do CP; ii) 250 dias-multa para o artigo 1º, VII, da Lei 9.613/98.

                Há elementos suficientes para se aferir a situação econômica do réu nos autos, considerando os rendimentos brutos da empresa PA EMPREENDIMENTOS DE LAZER LTDA, no valor de R$ 105.000.000,00, somente em dois anos de faturamento, considerando que operou por mais de uma década, pelo vulto patrimonial ostentado, considerando ainda que possuem mais 18 imóveis os acusados Pedro e Jorge, incluindo terrenos, uma mansão e uma cobertura, com veículos apreendidos cautelarmente fixo o valor do dia-multa na fração de 1/3 do salário-mínimo vigente à época dos fatos por dia de multa fixado, devendo ser corrigidos monetariamente até a data do efetivo pagamento.

                A pena deve ser fixada, definitivamente, em 43 anos e 4 meses de reclusão e 2.750 dias-multa.

                Portanto, o regime inicial de cumprimento deve ser inicialmente o fechado, artigo 33, § 2º, a, do CP. Assim, incabível a substituição (artigo 44, do CP) e a suspensão condicional da pena (artigo 77, do CP).

                O regime de cumprimento deve ser inicialmente fechado, o réu respondeu o processo em liberdade, mediante fiança e compromisso de comparecimento a todos os atos do processo (em maio de 2010), no entanto, as certidões de antecedentes juntadas (fls. 1426-1440) demonstram que o réu responde três ações penais como mandante de homicídio (fls. 1426-1429), possui condenação com trânsito em julgado no mês em curso pela prática de extorsão e cárcere privado (fls. 1430-1432).

                Portanto, é clara a vida criminosa que o réu Pedro Arcanjo carrega, estão presentes os pressupostos da preventiva, há prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, agora com a condenação, em crimes contra a ordem econômica (lavagem de capitais), crimes contra a ordem pública (quadrilha), há três ações penais como mandante de homicídio com trânsito em julgado este mês pela prática de crimes contra o patrimônio e a liberdade pessoal.

                Deste modo, todos esses fatos que rodeiam a vida do réu justificam a sua prisão preventiva. Assim, para garantir a aplicação da lei penal (trânsito em julgado em crimes de extorsão e cárcere privado) e todo esse contexto narrado, decreta-se a prisão preventiva do réu Pedro Arcanjo.

                Também, deve entregar o passaporte, na forma do artigo 320, do CPP.

 

                IV.2. Réu João de Jesus

                A culpabilidade do réu João de Jesus apresenta-se exacerbada em relação aos delitos cometidos, há nos autos elementos que possam negativar essa circunstância, atuou com vontade de conspirar com outras pessoas para fins de cometer crimes, praticando crimes contra a Administração Pública (contrabando), cooptando policiais, contadores, advogados e servindo para abastecer membros da família do réu Pedro Arcanjo, para ocultar e dissimular as origens espúrias dos valores objeto de crimes. Utilizou-se de seus conhecimentos da atividade de contabilidade para estruturar sofisticado arranjo de ocultação e dissimulação, na complexa lavagem de capitais em favor do réu Pedro Arcanjo. Há carga negativa.

                Não ostenta maus antecedentes, não possui carga negativa. Sua personalidade surge de uma pessoa dada ao mundo do crime, sua conduta social faz crer que é homem cooptado pelo mau, pelo atuar delituoso, não respeitando as instituições, portanto, possui carga negativa.

                As circunstâncias judiciais do crime e consequências do crime pela intrincada, sofisticada estrutura repartida, com a orientação intelectual na estruturação de operações para a legitimidade da lavagem de capitais do dinheiro sujo de Pedro Arcanjo, violou a paz pública ao conspirar para a prática de crimes, tendo praticado crime contra a Administração Pública, fazendo com que a insegurança na sociedade aumente, bem como a inserção de mercadoria proibida para exploração de jogos de azar, criando um mercado paralelo onde os ativos ilícitos tem que ser ocultados ou dissimulados para reinseri-los na sociedade, causando profunda instabilidade no sistema financeiro nacional, prejudicando o investidor, o mercado de consumo e a circulação de moedas e valores, é de rigor as cargas negativas.

                Os motivos que estão presentes na violação da paz pública, na cooptação de agentes públicos é um só: a utilização de seus conhecimentos de contador para estruturar operações com a finalidade de ocultar e dissimular o acréscimo patrimonial decorrente dessas condutas dando-o como legítimo, ínsito e imanente ao tipo da lavagem, sem carga negativa. Os comportamentos das vítimas são irrelevantes.

                Deste modo, a pena-base deve ser de: i) 2 anos e 8 meses de reclusão para o crime do artigo 334, § 1º, “c” e “d”, do CP; ii) 4 anos para o crime do artigo 288, parágrafo único, do CP.

                Nas segunda e terceira fase, permanecem a pena-base.

                Uma observação quanto à confissão do réu João de Jesus: admitiu sua atuação como contador da organização criminosa, afirmando desconhecer a prática de atividades ilícitas no âmbito da empresa EP EMPREENDIMENTOS. Essa confissão não tem força para atenuar a pena tendo em vista que nega próprio elemento do tipo (jurisprudência do STJ) em que atuava e a prova ser robusta quanto à sua participação na perspectiva de que usava sua profissão de contador para praticar os ilícitos, conforme já fundamentado acima.

                Ainda, há a continuidade delitiva do artigo 334, § 1º, “c” e “d”, do CP, em trinta vezes, aumentando-se a pena de 2/3, pela reiteração, conforme jurisprudência do STJ, atingindo a pena de 4 anos e 7 meses.

                Aplicação do concurso material de crimes do artigo 69, do CP, tem-se a pena de 8 anos e 7 mês de reclusão, a qual torno em definitivo.

                Portanto, o regime inicial de cumprimento deve ser inicialmente o fechado, artigo 33, § 2º, a, do CP. Assim, incabível a substituição (artigo 44, do CP) e a suspensão condicional da pena (artigo 77, do CP).

                O réu respondeu preso em razão de não atender o chamado para seu interrogatório e nem justificou sua ausência, tendo sido decretada sua revelia, expedindo-se mandado de prisão por quebra de fiança, para garantia da instrução penal e para assegurar a aplicação da lei penal (fl. 1323), além disso, é contador e está indiciado em dois inquéritos policiais por sonegação fiscal (fls. 1433-1435).

                Portanto, é clara a vida criminosa que o réu João de Jesus carrega, estão presentes os pressupostos da preventiva, há prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, agora com a condenação, embora não transitada em julgado, há dois inquéritos policiais por sonegação fiscal, crime esse que causa um abalo na ordem econômica como um todo. Há contemporaneidade entre esses inquéritos e os crimes que o réu está imerso, mais o não atendimento dos chamados do Poder Judiciário, o desrespeito com a lei penal, pois se não atende oportunidade para se defender (embora possa ser tácita da defesa, quebrou medidas cautelares diversas da prisão, artigo 282, § 4º, do CPP).

                Deste modo, todos esses fatos que rodeiam a vida do réu justificam a sua prisão preventiva. Assim, para garantir a aplicação da lei penal (trânsito em julgado em crimes de extorsão e cárcere privado) e todo esse contexto narrado, decreta-se a prisão preventiva do réu Pedro Arcanjo.

                Também, deve entregar o passaporte, na forma do artigo 320, do CPP.

 

                IV.3. Réu Caio César da Silva

                A culpabilidade do réu Caio César da Silva apresenta-se minorada em relação à sua semi-imputabilidade tirada de incidente de insanidade mental julgada em autos apartados, não tendo carga negativa.

                Não ostenta maus antecedentes, não possui carga negativa. Sua personalidade surge de uma pessoa dada ao mundo do crime, sua conduta social faz crer que é homem cooptado pelo mau, pelo atuar delituoso, não respeitando as instituições, portanto, possui carga negativa.

                As circunstâncias judiciais do crime e consequências do crime pela intrincada, sofisticada estrutura repartida, a conduta do réu Caio César da Silva era responsável pelo pagamento de propinas, obtenção de informações junto aos órgão públicos e outros assuntos operacionais, era o responsável pela preservação do transporte de computadores e documentos em caso de eventual investigação policial, ou seja, agia para nutrir e manter a quadrilha, violando  a paz pública ao conspirar para a prática de crimes, tendo praticado crime contra a Administração Pública, fazendo com que a insegurança na sociedade aumente, bem como a inserção de mercadoria proibida para exploração de jogos de azar, criando um mercado paralelo onde os ativos ilícitos tem que ser ocultados ou dissimulados para reinseri-los na sociedade, causando profunda instabilidade no sistema financeiro nacional, prejudicando o investidor, o mercado de consumo e a circulação de moedas e valores, é de rigor as cargas negativas.

                Os motivos que estão presentes na violação da paz pública, na cooptação de agentes públicos é um só: a utilização de seus conhecimentos de contador para estruturar operações com a finalidade de ocultar e dissimular o acréscimo patrimonial decorrente dessas condutas dando-o como legítimo, ínsito e imanente ao tipo da lavagem, sem carga negativa. Os comportamentos das vítimas são irrelevantes.

                Deste modo, a pena-base deve ser de: i) 2 anos e 3 meses de reclusão para o crime do artigo 334, § 1º, “c” e “d”, do CP; ii) 3 anos e 7 meses para o crime do artigo 288, parágrafo único, do CP.

                Na segunda fase, permanece a pena-base.

                Na terceira fase, aplica-se a redução de 1/3 do parágrafo único do artigo 26 do CP em razão de decisão da semi-imputabilidade em incidente de insanidade mental, tem-se a pena de: i) 1 ano e 9 meses de reclusão para o crime do artigo 334, § 1º, “c” e “d”, do CP; ii) 2 anos e 3 meses para o crime do artigo 288, parágrafo único, do CP.

                Ainda, há a continuidade delitiva do artigo 334, § 1º, “c” e “d”, do CP, em trinta vezes, aumentando-se a pena de 2/3, pela reiteração, conforme jurisprudência do STJ, atingindo a pena de 2 anos e 11 meses.

                Aplicação do concurso material de crimes do artigo 69, do CP, tem-se a pena de 5 anos e 1 mês de reclusão, a qual torno em definitivo.

                Portanto, o regime inicial de cumprimento deve ser o semiaberto, artigo 33, § 2º, b, do CP. Assim, cabível a substituição (artigo 44, do CP), mas não a suspensão condicional da pena (artigo 77, do CP).

                Substituo a pena privativa de liberdade, embora seja o cumprimento o semiaberto, mas, considerando a semi-imputabilidade do réu, determino, nos termos do artigo 387, V, do CPP, e do artigo 98, do CP, a ser analisado quando da perícia médica, seguindo-se o artigo 97, do CP, e conforme o § 1º deste artigo, fixo o prazo mínimo de 3 anos para o tratamento ambulatorial, devendo o juízo da execução penal fazer a devida correção.

 

                IV.4. Réu Jorge Augusto de Sá

                A culpabilidade do réu Jorge Augusto de Sá apresenta-se exacerbada em relação aos delitos cometidos, há nos autos elementos que possam negativar essa circunstância, atuou com vontade de conspirar com outras pessoas para fins de cometer crimes, praticando crimes contra a Administração Pública (corrupção passiva, contrabando) e contra o sistema financeiro nacional com a lavagem do dinheiro sujo, atuou utilizando-se de sua profissão de policial civil para praticar flagrantes contra pessoas que não seguiam as ordens emanadas do “cabeça” Pedro Arcanjo, fez apreensões em máquinas que não eram de sua quadrilha, disponibilizou armamento para a manutenção da quadrilha, omitia em seu dever funcional, v. g., não prenderam os mesmos de sua quadrilha, violou sigilo em razão do cargo. Há carga negativa.

                Não ostenta maus antecedentes, sendo que o processo que responde por porte ilegal de armas (fl. 1436) não implica em maus antecedentes, sem carga negativa. Sua personalidade surge de uma pessoa dada ao mundo do crime, sua conduta social faz crer que é homem cooptado pelo mau, pelo atuar delituoso, não respeitando as instituições e nem a que integra, mas envolveu-se em porte ilegal de armas, mesmo sendo policial civil, portanto, possui carga negativa.

                As circunstâncias judiciais do crime e consequências do crime pela intrincada, sofisticada estrutura repartida, com a orientação intelectual recebida pelo réu Pedro Arcanjo, o cabeça da quadrilha, tendo atribuição de tarefa específica de intimidar os demais “empresários” que faziam uso das máquinas caça-níqueis de sua quadrilha, praticava apreensões desses teimosos, prisões em flagrantes de quadrilha rival. Essas circunstâncias implicam na fragilidade da paz pública, aumentando a insegurança social, o descrédito de que a Administração Pública possa atuar de forma legítima, tendo em vista as condutas omissivas do dever funcional e a violação de segredo, prejudica, também, o sistema financeiro nacional com a lavagem do dinheiro sujo com a reinserção no mercado como se lícita fosse, prejudicando todo o sistema, especialmente o registro público, portanto têm-se cargas negativas.

                Os motivos que estão presentes na violação da paz pública, na cooptação de agentes públicos é um só: o acréscimo patrimonial decorrente da dissimulação e integração do capital ilícito dando-o como legítimo, ínsito e imanente ao tipo da lavagem, sem carga negativa. Os comportamentos das vítimas são irrelevantes.

                Deste modo, a pena-base deve ser de: i) 7 anos e 8 meses de reclusão para o crime do artigo 317, do CP; ii) 1 ano e 2 meses de detenção para o crime do artigo 325, do CP; iii) 6 anos e 8 meses de reclusão para o crime do artigo 1º, V, da Lei 9.613/98; iv) 4 anos para o crime do artigo 288, parágrafo único, do CP.

                Na segunda fase, permanece a da pena-base.

                Na terceira fase, há circunstância legal de aumento de 1/3 do § 1º do artigo 317 do CP, alcançando a pena de 11 anos e 1 mês. Nos demais crimes, permanecem como da pena-base, mas não definitivamente.

                Ainda, há a continuidade delitiva: i) artigo 317, do CP, c/c artigo 71, do CP, em cinco vezes, aumentando-se a pena de 1/3, pela reiteração, conforme jurisprudência do STJ, atingindo a pena de 11 anos e 11 meses de reclusão; ii) artigo 325, do CP, c/c artigo 71, do CP, em cinco vezes, aumentando-se a pena de 1/3, pela reiteração, conforme jurisprudência do STJ, atingindo a pena de 1 ano e 6 meses de detenção.

                Aplicação do concurso material de crimes do artigo 69, do CP, tem-se a pena de 22 anos e 7 mês de reclusão e a pena de 1 ano e 6 meses de detenção.

                Pelo sistema bifásico de aplicação da multa, atendendo-se aos critérios dos artigos 49 e 60, do CP, e às circunstâncias judicias e legais com carga negativa já analisada, fixo a pena de multa em: i) 1.000 dias-multa para o artigo 317, do CP; ii) 200 dias-multa para o artigo 1º, VII, da Lei 9.613/98.

                Há elementos suficientes para se aferir a situação econômica do réu Jorge Augusto de Sá nos autos, através de busca e apreensão, pelo vulto patrimonial ostentado (encontrados R$ 300.000,00 em espécie; moto Harley Davidson 2006; Land Rover Defender 4x4 ano 2007; imóvel avaliado em R$ 2.000.000,00; armas de fogo, além de munição), considerando ainda que possuem mais 18 imóveis os acusados Pedro e Jorge, incluindo terrenos, uma mansão e uma cobertura, com veículos apreendidos cautelarmente, fixo o valor do dia-multa na fração de 1/3 do salário-mínimo vigente à época dos fatos por dia de multa fixado, devendo ser corrigidos monetariamente até a data do efetivo pagamento.

                A pena deve ser fixada, definitivamente, em 22 anos e 7 mês de reclusão e 1.200 dias-multa, e 1 ano e 6 meses de detenção.

                Portanto, o regime inicial de cumprimento deve ser inicialmente o fechado, artigo 33, § 2º, a, do CP. Assim, incabível a substituição (artigo 44, do CP) e a suspensão condicional da pena (artigo 77, do CP).

                O regime de cumprimento deve ser inicialmente fechado, o réu respondeu o processo em liberdade, mediante fiança e compromisso de comparecimento a todos os atos do processo (em maio de 2010), podendo o réu responder o processo em liberdade.

                Também, deve entregar o passaporte, na forma do artigo 320, do CPP.

                V. Disposições finais

                As últimas instruções desta sentença para:

                a) perda, em favor da União, de bens do réu Mário André Fagundes e Mário André Fagundes, em razão do ganho obtido, até no limite da herança em possível inventário, pois praticaram as condutas a eles imputadas, mas apenas tiveram a extinção da punibilidade pela morte, nos termos do artigo 107, I, do CP, não podendo suas mortes afastar o dever do espólio deixar de responder pelas suas responsabilidades até a força da herança, conforme artigo 5º, XLV, da CF/88.

                b) não há pedidos de indenização mínima para que eles possam ser fixados, sendo vedada sua fixação ex officio, conforme jurisprudência do STJ;

                c) perda, em favor da União, do produto e quaisquer direitos e valores e vantagens auferidos com o crime, todos os réus, artigo 91, II, b, do CP;

                d) oficiar a Administração Pública lesada, nos termos do artigo 92, I, a, do CP, para perda do cargo de Jorge Augusto de Sá, policial civil;

                e) perda, em favor da União, do produto e quaisquer direitos e valores e vantagens auferidos com o crime, os réus Pedro Arcanjo e Jorge Augusto de Sá, nos termos do artigo 7º, I, da Lei 9.613/98;

                f) com o trânsito em julgado, proceda-se conforme o artigo 122, 133, do CPP, dos bens de Pedro Arcanjo e Jorge Augusto de Sá que foram objetos de inscrição em hipoteca legal e sequestro;

                g) pagamento de custas processuais e despesas processuais, nos termos do artigo 804, do CPP;

                h) com o trânsito em julgado, lançar o nome dos réus no rol dos culpados, comunicando aos órgãos de segurança, informando as restrições, v. g., eleitoral, nos termos do artigo 72, do Código Eleitoral, para o cumprimento do artigo 15, III, da CF/88, registro de antecedentes criminais aos órgãos dos dados criminais, bem como para fins de estatística, conforme o artigo 809, do Código de Processo Penal.

                Publique-se na íntegra. Registre-se. Intimem-se.

                Local e data.

                Juiz Federal Substituto.

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