Motores BR Ltda. ajuizou ação de cobrança, noticiando que vendeu ao Réu Francisco, pequeno agricultor que explora um sítio com sua família, em junho de 1997, um trator agrícola novo, de sua fabricação. Relata que em outubro de 2000, realizou a pedido de Francisco um conserto no trator, tendo trocado uma peça que estava defeituosa. Informa que a garantia contratual era de 12 meses ou 1.000 horas de uso (a que implementasse primeiro). Contudo, Francisco se recusou a pagar esse conserto, originando a cobrança.
Citado, Francisco contestou aduzindo que o conserto não era decorrência do desgaste natural ou de mau uso, mas sim de um defeito de fábrica, pelo que o custo do conserto deveria ficar a cargo da fabricante. A prova pericial constatou que o problema era de fabricação e que o trator tem uma vida útil de aproximadamente 10.000 horas, o que importaria em torno de 10 anos. O réu também manejou reconvenção pleiteando a condenação do autor pelos lucros cessantes gerados pelos 25 dias em que o trator ficou parado na oficina da autora.
Pergunta-se:
1) o caso comporta proteção no CDC?
2) o conserto do trator deve ser arcado por quem?
3) assiste razão ao réu no pleito reconvencional?
4) em quem recai o ônus da prova quanto à natureza do vício?
Conforme artigo 2º, caput do Código de Defesa do Consumidor, “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Interpretando o dispositivo acima, surgiram três correntes, quais sejam: finalista, maximalista e finalista mitigada.
A teoria finalista empresta ao artigo acima interpretação restritiva, no sentido de que somente será considerado consumidor aquele que interrompe a cadeia de produção, para usufruir o bem por ele mesmo ou terceiro, de forma não profissional, traduzindo a ideia de destinatário final econômico.
Por sua vez, a teoria maximalista prega interpretação ampliativa do conceito de consumidor, no sentido de que todo aquele que retira o bem do mercado de consumo, mesmo que este possa ser utilizado indiretamente no exercício da empresa ou profissão, será considerado consumidor. Introduz-se a ideia de destinatário final fático.
Por fim, pela teoria finalista mitigada, será considerado consumidor todo aquele que, embora não seja tecnicamente o destinatário final do produto/serviço, apresenta-se em situação de vulnerabilidade.
Considerando-se que a terceira corrente é a que vem prevalecendo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e que o agricultor frente à fabricante é considerado vulnerável, plenamente aplicável a proteção oferecida pelo Código de Defesa do Consumidor.
Por outro lado, o problema indica que a vida útil do bem é de aproximadamente 10000 horas (aproximadamente 10 anos), sendo certo que em pouco mais de três anos o bem apresentou defeito.
Muito embora a garantia contratual tenha se encerrado, aplica-se o disposto no artigo 26, §3º do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a prova pericial constatou a presença de vício oculto no trator. Assim, tratando-se de vício oculto, o termo inicial para o consumidor reclamar dos vícios se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, razão pela qual o fabricante deverá arcar o valor do conserto.
Ainda, assiste razão ao réu no pleito reconvencional, pois conforme artigo 6º, VI do Código de Defesa do Consumidor, é direito básico do consumidor a efetiva reparação de danos patrimoniais suportados por ele. No caso, demonstrando-se os danos em razão dos dias parados, possível a condenação do autor ao pagamento da verba aludida na reconvenção.
Por fim, recairá o ônus da prova sobre o fornecedor, pois consoante artigo 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor, é direito básico do consumidor a inversão do ônus da prova quando, a critério do juiz, seja verossímil a alegação do consumidor ou quando ele seja hipossuficiente (esta é a hipótese dos autos, uma vez que se trata de pequeno agricultor que explora a atividade com sua família).
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
0 Comentários
Seja o primeiro a comentar