Leonardo, dirigente da tradicional Agremiação X, desconfiado de que o regulamento do campeonato estadual de remo do Estado E estaria beneficiando uma agremiação em detrimento das demais - em completa violação ao princípio da igualdade -, busca auxílio jurídico. Preocupado, porém, em reduzir o tempo de disputa jurídica, Leonardo sugere ao Advogado da Agremiação X que ajuíze ação perante a Justiça comum, sem acionar as instâncias desportivas. Na condição de estudante de Direito, Leonardo fundamentou sua sugestão no princípio da inafastabilidade da jurisdição, nos termos do que indica o Art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.
Diante do caso acima narrado, responda aos itens a seguir.
A) O encaminhamento sugerido por Leonardo deve ser seguido pelo Advogado da Agremiação X?
B) A denominada justiça desportiva profere decisões judiciais? Justifique.
Obs.: Sua resposta deve ser fundamentada. A simples menção ao dispositivo legal não será pontuada.
(a) Apesar da Constituição Federal estabelecer como um dos direitos fundamentais, a possibilidade de se levar qualquer questão que lesione ou ameace direitos à apreciação do Poder Judiciário, o mesmo diploma normativo superior previu algumas limitações. A teoria dos direitos fundamentais ensina que não existe direito absoluto, podendo sempre, dependendo do caso concreto, sofrer limitações por normas de igual ou superior hierarquia. Desta forma, entende-se possível que o Poder Constituinte ao estabelecer determinado direito, também o limite, caso esta limitação tenha sido feita pelo Poder Constituinte Originário (nos casos de direitos previstos nas cláusulas pétreas) ou pelo Poder Constituinte Derivado (demais direitos que podem sofrer limitações).
Dessa forma, podemos verificar que o Poder Constituinte Originário quando elaborou o texto da Constituição da República de 88, inseriu o princípio da inafastabilidade da jurisdição no rol dos direitos do art. 5º da CF (cláusula pétrea na forma do art. 60, §4º, IV da CF), e consequentemente, em tese, não podendo sofrer limitações. Ocorre que, o mesmo Poder Constituinte Originário (como visto acima, é plenamente possível), estipulou a criação da justiça desportiva, com competência para conhecer dos conflitos que surgirem a respeito da disciplina e competições desportivas. Mas, o dispositivo constitucional foi além. Além de prever a justiça desportiva, determinou que todas as ações que se inserem em sua competência devem, obrigatoriamente primeiro tramitar nesta instância administrativa, para somente depois se tornar apta a ser questionada junto ao Poder Judiciário.
Sendo assim, pela literalidade do §1º do art. 217 da Constituição, o encaminhamento sugerido por Leonardo não logrará frutos, em razão desta obrigatoriamente de primeiramente cumprir o trâmite do procedimento administrativo junto à justiça desportiva.
Verifica-se, com isso, que esta "instância administrativa de curso forçado", conforme denominado por Pedro Lenza, não é obstáculo absoluto para a apreciação da causa desportiva pelo Judiciário. Após percorrer o caminho administrativo, se faz plenamente possível a análise jurídica efetuada pelo Poder Judiciário. Desta forma, não se pode sequer afirmar que o §1º do art. 217 é uma exceção ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, mas apenas uma mitigação do referido postulado, que ainda sim poderá ser utilizado após a condição de procedibilidade (processo na justiça desportiva) ter sido preenchida.
(b) Apesar de ser denominada de "justiça" desportiva, a estrutura constitucional designada para o Poder Judiciário nos permite concluir que aquela não faz parte deste Poder do Estado. Não pode ser enquadrada como espécie de justiça especializada, pois não profere decisões judiciais, conforme entendimento majoritário, sendo instância administrativa. Para reforçar o argumento de que não se trata de órgão do Poder Judiciário, pode-se verificar que as decisões proferidas na instância desportiva não possuem a característica mais marcante das proferidas pelo Poder Judiciário, qual seja, aptidão para fazer coisa julgada. O que diferencia as decisões judiciais das administrativas é justamente esta capacidade de se tornar definitiva que somente podem ser atribuídas para o Poder Judiciário. Considerando que as decisões da justiça desportiva poderão ser analisadas pelo Poder Judiciário (após o estipulado no §1º do art. 217 da CF), nota-se tratar de órgão administrativo, não produzindo decisões judiciais stricto sensu.
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