Questão
MP/SC - 39º Concurso para Promotor de Justiça - 2014
Org.: MP/SC - Ministério Público de Santa Catarina
Disciplina: Direito Constitucional
Questão N°: 003

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Enunciado Nº 000883

No Município “X”, a Câmara de Vereadores aprovou a Lei n. 111/2014 restringindo os serviços de assistência pré-natal à gestante carente, no único hospital local pertencente ao Município, a partir do 4º (quarto) mês de gestação. Na exposição de motivos que acompanhou o Projeto de Lei, o Prefeito Municipal explanou que, além da falta de estrutura hospitalar da rede de saúde pública na localidade, as dificuldades financeiras que o Município atravessava com a queda de arrecadação impunham que ele elegesse temporariamente a adoção daquela restrição, conquanto considerasse que o outro hospital mais próximo distava 600 quilômetros dali, porque situado em outro município.


A Lei n. 111 /2014 alterou a Lei n. 555/2000, que anteriormente disciplinava o assunto.


O teor dessas disposições legais é o seguinte:


Lei n. 555/2000:


Art. 1º – É assegurada à gestante carente, desde o início da gestação, assistência pré-natal no Hospital Municipal.


Lei n. 111/2014:


Art. 1º – O Art. 1º da lei n. 555/2000, passa a vigorar com a seguinte redação:


É assegurada à gestante carente, a contar do 4º (quarto) mês de gestação, assistência pré-natal no Hospital Municipal.


Entidades comunitárias encaminharam pedido de providências ao Promotor de Justiça, estimando que, de imediato, aproximadamente 50 (cinquenta) gestantes carentes, todas devidamente identificadas e qualificadas, ficariam sem a devida assistência médica pré-natal até o 4º (quarto) mês de gestação.


Por essa razão, o Representante do Ministério Público ingressou com ação civil pública com base na Lei n. 7.347/85 e disposições correlatas, em face do Município “X”, visando à tutela dos interesses concretamente identificados. Baseou a petição inicial exclusivamente em normas pertinentes da Constituição Federal quanto ao Direito material, e evocou, também, o princípio da “vedação ou proibição ao retrocesso social”, a título de fundamento jurídico. Suscitou questão prejudicial que, a seu juízo, era pressuposto necessário ao atendimento do pedido.


O Juiz de Direito da Comarca, de plano, rejeitou a inicial entendendo que a ação era inviável, porque fundamentada em dispositivos da Constituição Federal que veiculam diretrizes de políticas públicas, tendo sido relevadas as normas correlatas de natureza infraconstitucional, o que de fato ocorreu. Sustentou, ainda, que o princípio da “vedação ao retrocesso social”, evocado secundariamente a título de fundamento jurídico do pedido, não encontra amparo no ordenamento jurídico nacional.


Pergunta-se:


a) é correta, na situação apresentada, a decisão judicial que rejeitou a petição de ingresso considerando-a inviável, porque fundada em normas que delineiam políticas públicas? Como condição de validade da resposta, justifique e fundamente, à luz dos preceptivos pertinentes com base nos quais essa ação hipotética foi proposta, indicando-os;


b) no contexto do problema apresentado, explicite, discorrendo, em que consiste o princípio da “vedação (ou proibição) ao retrocesso social”, e o que ele proíbe. Diga qual a conseqüência jurídica da sua inobservância e indique de qual princípio fundamental expresso da República ele implicitamente decorre;


c) formule o pedido principal correspondente à ação como se a tivesse elaborado, inclusive postulando o reconhecimento da questão prejudicial tida como indispensável pelo autor como antecedente necessário ao atendimento do pedido, ainda que a sua convicção seja no sentido de que o pronunciamento judicial foi correto;


d) responda qual nomenclatura se dá, na acepção jurídica, a justificativa apresentada pelo autor do Projeto de lei na exposição de motivos endereçada à edilidade local?

Resposta Nº 000118 por ANALICE DA SILVA Media: 8.00 de 1 Avaliação


O fundamento do douto magistrado não é o que predomina na doutrina e jurisprudência. A demanda proposta pelo Ministério Público trata do direito social à saúde (art. 196, CF), cuja norma constitucional não pode ser considerada meramente de cunho programático, como diretrizes de políticas públicas conforme pontuou o magistrado, pois os direitos sociais, na condição de direitos fundamentais, estão sujeitos ao regime do artigo 5º, §1º, da CF, ou seja, são normas diretamente (imediatamente) aplicáveis, porque possuem eficácia plena, sendo direitos subjetivos a prestações oponíveis ao Poder Público e exigíveis pela via judicial.

Ainda que se entenda que os direitos sociais encontram-se submetidos a limites fáticos e jurídicos, em razão da chamada reserva do possível, a eventual impossibilidade de atendimento da demanda deveria ser provada pelo ente público, de modo que a rejeição precoce da demanda violou o acesso a justiça (art. 5º, XXXV, CF.

Ao contrário do fundamento do juiz, a doutrina e jurisprudência majoritárias vem reconhecendo a vigência, como garantia constitucional implícita, do princípio da vedação do retrocesso social, a coibir medidas, que, medidante a revogação ou alteração a legislação infraconstitucional venham a desconstituir ou afetar gravemente o grau de concretização já atribuído a determinado direito fundamental, o que equivaleria a uma violaçao da própria Constituição Federal e de direitos nela consagrados.

Esse princípio está associado ao dever de progressiva realização dos direitos sociais, tal como previsto  no artigo 2º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no qual o Brasil é signatário. Além disso, a proibição de retrocesso social guarda relação com o princípio da segurança jurídica (caput dos arts. 5º e 6º, CF), bem como com os princípios do Estado democrático e social de Direito (preâmbulo da CF) e da proteção da confiança, na medida em que tutela a proteção da confiança e do indivíduo e da sociedade na ordem jurídica, impondo-se a estabilidade e continuidade do direito para preservar o núcleo essencial dos direitos sociais.

Atente-se que, na hipótese versada, a ausência de amparo gestacional nos primeiros quatro meses põe em risco a saúde da gestante, eis que não promoverá a prevenção e eventual tratamento de doenças ocorridas neste período. Desse modo,  a norma municipal estaria gerando uma proteção deficiente. Em matéria de direitos fundamentais assumem especia relevo os deveres de proteção que vinculam os órgãos estatais inclusive no que diz respeito ao caráter preventivo e que ensejam um dever de proteção suficiente.

Registre-se que a justificativa do alcaide está calcada no princípio da reserva do possível, cujo argumento é amplamente rechaçado pela jurisprudência dos tribunais superiores quanto fere a dignidade da pessoa e põe em risco o mínimo existêncial.

Por esse motivo, não havendo comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político.

Nessa linha intelecção, passa-se a formular o pedido principal da demanda: seja declarada incidentalmente a inconstitucionalidade da Lei 111/2014, com efeitos retroativos, bem como seja determinada a obrigação de o Município X garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário para promoção, proteção e recuperação da saúde das gestantes independemente do período gestacional.

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