J.C., servidor de determinado Estado-membro, após muitos anos de labor, e tendo preenchidos os requisitos legais, requereu a sua aposentadoria no regime próprio de previdência social, o que lhe foi concedido pelo órgão responsável da Administração Pública estadual, tendo passado a receber os respectivos proventos. Ocorre que, mais de um ano após o ato de concessão inicial da aposentadoria, o órgão de previdência estadual, apoiado em recomendação oriunda de processo no Tribunal de Contas do referido Estado-membro, verificou que o J.C. estaria recebendo valor de proventos maior do que seria efetivamente devido, uma vez que percebia determinada verba de auxílio que não lhe seria cabível. Consequentemente, J.C. teve seus proventos reduzidos e passou a ter descontado, mensalmente, os supostos valores recebidos indevidamente desde a concessão da aposentadoria.
Devido a esses fatos, J.C. procura a Defensoria Pública para buscar auxílio jurídico. Considerando o exposto, analise a conduta da Administração Pública, abordando os seguintes aspectos:
a) a regularidade ou a irregularidade do procedimento adotado pela Administração Pública, nos termos da Lei n. 9.784/1999 e, se aplicável ao caso, a incidência da Súmula vinculante 03 do STF;
b) a legalidade ou a ilegalidade do desconto imediato nos proventos da parcela indevida;
c) a retroatividade ou a irretroatividade da mudança de entendimento da Administração e os princípios administrativos aplicáveis em defesa do interessado.
Diante do caso concreto em análise, é importante trazer certas considerações acerca do ato de concessão de aposentadoria a servidor público.
Assim, cabe ressalvar que, os atos administrativos se classificam, quanto à vontade para a formação do ato, em simples, complexos e compostos. Simples são aqueles atos que se aperfeiçoam com a manifestacão de uma única vontade. Compostos são os atos administrativos que decorrem de uma única vontade, mas que dependem de uma vontade acessória de outro agente ou órgão público, para que tenha validade e eficácia. E, por fim, complexos, são os atos cuja formação depende de mais de uma vontade, emanda por dois ou mais agentes ou órgãos públicos.
Quando da análise do ato administrativo de concessão de aposentadoria a servidor público, depara-se com um ato complexo e, portanto, dependente, para a sua formação, de duas ou mais vontades, emanadas por dois ou mais órgãos. Porquanto, é necessário que haja, além da concessão inicial da aposentadoria pelo órgão ao qual o servidor está vinculado, a manifestação da vontade do Tribunal de Contas, a ser concedida dentro do prazo prescricional de 5 anos. Assim, só depois dessas duas manifestações, o ato estará perfeito e acabado.
Dessa forma, no caso do J.C, a decisão tomada em processo do Tribunal de Contas, não precisa observar o contraditório, uma vez que o ato não fora ainda constituído, sendo um ato em formação, que necessida da aprovação de tal órgão para aperfeiçoar-se.
Portanto, neste caso concreto, há a aplicação da súmula vinculante número 3 do STF, uma vez que, a decisão do Tribunal de Contas, fora tomada quanto a apreciação da legalidade da concessão inicial de aposentadoria. Sendo, assim, o procedimento fora realizado de forma regular.
Ato contínuo, como não havia, quando da concessão inicial da aposentadoria, a consolidação do ato, não há direito adquirido do servidor quanto ao recebimento da aposentadoria no valor anterior, a maior do que seria efetivamente devido. Dessa forma, cabe a redução imediata dos proventos.
Contudo, não cabe a devolução dos valores recebidos, anteriormente, a maior, em razão da aplicação direta dos princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança legítima. Assim, conforme tais mandados de otimização, não seria legítima a devolução dos valores recebidos a maior, por meio de desconto, uma vez que, o servidor público encontrava-se de boa-fé, devendo-se resguarda-lo de decisões surpresas realizadas pelo ente público, como forma de proteção ao cidadão.
Ademais, conforme a lei 9784/99, artigo 2, parágrafo único inciso XIII, é vedada a aplicação retroativa de nova interpretação da norma administrativa. Portanto, apesar do ato de concessão de aposentadoria ainda não ter se aperfeiçoado – quando em momento anterior à decisão do Tribunal de Contas –, é resguardado o direito de não surpresa do cidadão de boa-fé, que não terá que pagar o valor recebido a maior, de forma retroativa.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
3 de Abril de 2018 às 18:45 Tom Miranda disse: 0
Camila respondeu a questão abordando o tema demonstrando domínio do assunto partindo da classificação e definição dos atos e enfocando os princípio como mandamento de otimização violado. Ela respondeu de forma clara e profunda. Parabéns