Após a análise da narrativa abaixo, explique fundamentadamente
os eventuais erros e acertos das autoridades que atuaram no caso,
numerando os pontos analisados:
Surgiu a informação sobre a existência de um receptador de gado furtado, cujas atividades eram centradas no município de Rio Verde, conhecido pela alcunha de Zé do Boi. De posse de alguns elementos preambulares de prova, sem conseguir dar andamento ao inquérito policial em razão da dificuldade na obtenção de outros elementos esclarecedores, o Delegado de Polícia local encaminhou documento ao Juiz da comarca, requerendo autorização para escuta ambiental das conversas do suposto autor, para que fosse esclarecido o delito.
Após a abertura de vista ao Ministério Público, com parecer favorável do Promotor de Justiça, o Juiz da comarca autorizou a interceptação das conversas. Transcorrido o prazo legal, foi encaminhada pelo Delegado a representação para renovação do pedido, mediante devida fundamentação.
Após sucessivas prorrogações, utilizando o Magistrado da técnica per relationem, apareceu nas conversas a notícia de que viria para o município um carregamento de drogas possivelmente oriundo da Bolívia, com o envolvimento de outras pessoas, inclusive do traficante Pedro Farinha Branca.
No momento, o Delegado de Polícia de Rio Verde verificou que a situação era urgente e, portanto, faria flagrante do crime noticiado nas conversas. Assim, foi o carregamento das drogas interceptado no perímetro urbano de Rio Verde, sendo que dois traficantes foram presos, sendo eles Manoel Messias e Quirino Santo. Concluído o inquérito policial, este foi remetido ao Juízo de Rio Verde.
Após encaminhamento dos autos inquisitoriais ao Ministério Público, o Promotor de Justiça requereu o retorno dos autos à DEPOL para complementação das investigações e indiciamento de Pedro Farinha Branca. Em seguida, deferiu o Juiz de Direito as diligências e determinou que estas fossem realizas, inclusive com o indiciamento de Pedro Farinha Branca, uma vez que estavam presentes provas suficientes da autoria deste último no tráfico de drogas.
Realizadas as providências, juntado o Laudo Preliminar de Constatação das drogas, o Delegado de Polícia devolveu o inquérito policial. De posse do caderno, o Promotor de Justiça denunciou os envolvidos pelo tráfico das drogas apreendidas, sendo parte delas oriundas do Estado de Mato Grosso (maconha) e outra parte (cocaína) procedente da Bolívia. A denúncia foi fundamentada no tipo do artigo 34, caput, da Lei Antidrogas.
Recebida a denúncia pelo Magistrado, foram os réus citados para apresentação de defesa preliminar.
Em audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas as
testemunhas arroladas pelo Ministério Público e pela defesa e, após, foram
interrogados os acusados.
Todos os réus foram condenados conforme pedido inicial do
Ministério Público. Após 10 dias de prolação da sentença foi juntado aos
autos o Laudo Toxicológico Definitivo das drogas apreendidas.
1 - Trata-se de pedido de autorização de interceptação telefônica. Assim, errou o Delegado ao requerer "escuta ambiental". A quebra de sigilo telefônico submete-se à disciplina do art. 5º, XII e à sua lei de regência. Enquanto a escuta ambiental segue a disciplina do art. 5º, X, CF.
2 - Errou também no termo "escuta". Essa se entende como a interceptação de conversas quando há ciência de algum dos interlocutores, o que não ocorreu no caso posto.
3 - Cabível a interceptação telefônica, pois preechidos os requisitos do art. 2º, 9296/96. A receptação é crime punido com reclusão, havia indícios razoáveis e a prova não podia ser obtida por outros meios menos invasivos.
4 - Agiu com acerto o Juiz ao abrir vista ao MP. este sim com capacidade postulatória, sendo o dominus litis da APP - art. 129, I, Cf. Ainda que a lei não preveja a vista obrigatória, tal requisito extrai-se da leitura da norma à luz da CF, e das atribuições constitucionais do MP.
5 - Agiu certo o juiz ao conceder renovação da medida, nos termos do art. 5º, 9296/96.
6 - Jurisprudência do STF e STJ é firme em admitir renovações sucessivas, desde que respeitada a adequação, necessidade e proporcionalidade da restrição imposta.
7 - Os tribunais superiores admitem a fundamentação per relatitinem, pois cumpre o requisito por via oblíqua. ou seja, ainda que fundamentada no parecer do MP, ou em decisões anteriores, cumpre o requisito da motivação do art. 5º da Lei 9296/96.
8 - Errou Delegado, Juiz e MP ao não declinarem a competência/atribuição quanto ao crime de tráfico de drogas internacional descoberto fortuitamente (serendipidade). Tal entender extrai-se do art. 70 da Lei 11343/06 e art. 109, V, CF. Assim, vislumbrada a transnacionalidade do tráfico em relação à cocaína, deveriam os autos ir para a justiça federal territorialmente competente.
9 - Agiu mal o MP em "requerer" e o juiz em "determinar" o indiciamento do investigado perante o Delegado. Trata-se de ato privativo do Delegado, conforme art. 2º, §3º, Lei 12.830/13.
10 - A fundamentação típica correta do caso seria: art. 33, caput, e art. 35 - ambos da 11.343/06, c/c art. 40, I, do mesmo diploma.
11 - Ainda que admitido pela doutrina e jurisprudência, deveria o juiz ter recebido a denúcia após a defesa prévia, não antes, como ocorreu no caso narrado. Aplica-se o art. 55 da 11343/06.
12 - Recentemente o STF pacificou o entendimento de que o interrogatório deve ser o último ato da audiência. Assim, procedeu corretamente o juiz. Segundo o STF, ainda que lei especial preveja rito distinto, prevalece a ordem procedimental que melhor resguarde a ampla defesa ao acusado - art. 400, in fine, do CPP.
13 - Por fim, o Laudo Toxicológico Definitivo deveria ter sido juntado antes da audiência de instrução, conforme art. 52, parágrafo único, I, c/c art. 56, in fine, 11343/06.
Grande Rodrigo! De volta na área e em grande estilo. Questão exigente, cheia de detalhes.
Quanto aos pontos 1 e 2, acho que você foi extremamente técnico. De fato, não se trata de escuta ambiental, que é normalmente feita com autorização judicial, quando um dos interlocutores sabe que está sendo gravado.
A receptação é crime punido com reclusão e estão supridos os requisitos da 9.296 a meu ver também.
Quanto à vista ao MP, é de fato desnecessária pela redação da lei, porém interessante para conceder à medida maior legitimidade, dada a atribuição ministerial de fiscal da lei. E em se tratando de prova do MP, acredito que sua resposta estaria de acordo com o esperado pela banca.
A motivação per relationem é admitida pela jurisprudência, assim como o encontro fortuito de prova. Segue julgado representativo do tema: HC 144.137/ES. Não consegui copiar e colar porque estava acabando com a formatação do texto.
Além disso, também segundo a jurisprudência, não há óbice à prorrogação do prazo de interceptação, a despeito da falta de previsão legal específica.
Uma coisa que você não comentou foi o acerto do encaminhamento do inquérito ao juízo de Rio Verde, já que, segundo a jurisprudência, a competência é do local da apreensão da droga (art. 70 do CPP). É inclusive entendimento atualmente sumulado no STJ: Súmula 528.
Concordo com a questão do declínio de competência. De fato, cuida-se de tráfico transnacional, conclusão que pode ser extraída não apenas pela procedência da droga como também pelas circunstâncias em que se deu o fato. E a tipificação pela associação também é acertada. Só acho que você deveria deixar claro que, para a associação, também conforme jurisprudência, deveria estar demonstrada a permanência e estabilidade do grupo.
O indiciamento também, segundo jurisprudência do STJ, é ato privativo do Delegado.
Acho que não foi observado o procedimento do art. 50, quanto à destruição da droga.
Acertada a visão quanto ao recebimento da denúncia, que deve se dar em momento posterior à defesa preliminar. Apenas uma explicação com relação à terminologia. Renato Brasileiro ressalva que a expressão "defesa prévia" era utilizada pelo CPP no antigo art. 395 e está atualmente em desuso. A expressão correta seria defesa preliminar ou resposta preliminar, portanto. Claro que a expressão defesa prévia é utilizada pela própria lei de drogas, então acho eu que não haveria problema nesse caso.
Quanto à questão do interrogatório, vale lembrar que o STF ressaltou a questão das drogas em obiter dictum, já que o caso era de interrogatório no processo militar. Mas acho que a resposta mais adequada seria realmente a de que o interrogatório deveria ser feito ao final, até por uma questão de coerência lógica do sistema.
Acho que é isso. Parabéns!
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA