BC Construtora Ltda., proprietária de terras em Camboinhas, oferece à venda unidades autônomas de imóveis que pretende construir em terreno do qual é proprietária naquela localidade. Após negociar preço e prazo para entrega, José da Silva, interessado na aquisição de uma das unidades, assina contrato de compra e venda com o construtor/incorporador, com vistas à realização e conclusão do negócio.
Ao tomar conhecimento do contrato de compra e venda celebrado, a Secretaria de Fazenda do Município expede intimação à construtora para o fim de exigir o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), alegando previsão em lei segundo a qual incide o imposto municipal sobre a execução, por administração, empreitada ou subempreitada de obras de construção civil.
Inconformado, ABC Construtora Ltda. impetra Mandado de Segurança com o intuito de afastar a cobrança do imposto que entende indevido na hipótese presente.
Opine a respeito da exigência do fisco municipal e da pretensão da ABC Construtora Ltda.
(A resposta deve ser objetiva e juridicamente fundamentada).
O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) tem sua previsão constitucional no artigo 153, inciso III, parágrafo 3º. Trata-se de um tributo que possui como materialidade uma prestação de serviço, o qual compreende um negócio jurídico relacionado a uma obrigação de "fazer"- noção do direito civil. O alvo desse imposto é a atividade humana prestada em favor de terceiro como fim ou objeto; tributa-se, assim, o serviço-fim.
Tal obrigação de "fazer" consiste na prestação de uma utilidade ou comodidade, de modo personalizado e incindível, tendendo à obtenção de um bem material ou imaterial. Assim, a materialidade desse imposto não abrange as obrigações de "dar", que possuem relação com outros impostos. Ademais, ressalta-se que os serviços de qualquer natureza a serem tributados pelo ISS são definidos em Lei Complementar Nacional, conforme exigência da Constituição, só podendo os municípios instituir o seu ISS com base em serviços previstos nessa Lei Complementar Nacional – atualmente é a Lei Complementar 116/2003 que faz essa disciplina.
Feita esta breve introdução, insta adentrar na incidência (ou não) do ISS na relação jurídica do caso em tela, que trata sobre a empreitada de construção civil e a incorporação imobiliária. Nesse contexto, vale ressaltar que incorporação imobiliária (Lei 4.591/64) é um negócio jurídico com a finalidade de promover e realizar construção civil voltada para alienação de unidades edificadas autônomas. Na atividade, o construtor pode ser um terceiro ou o próprio incorporador, dando-se ensejo a chamada “incorporação direta”. No primeiro caso, segundo o STJ, temos uma típica prestação de serviço de construção civil, constante de subitem previsto da Lista anexa à Lei Complementar 116 supracitada Por outro lado, o construtor pode ser o próprio incorporador, afastando-se o ISS, no âmbito da mencionada “incorporação direta”. Nesta, o incorporador constrói em terreno próprio, por sua conta e risco, para depois vender as unidades autônomas por preço que compreende a cota do terreno somada à construção. Enquanto ele assume o risco da construção, obrigando-se a entregá-la pronta, o adquirente objetiva a posterior aquisição da propriedade, mediante o pagamento do preço acordado. Assim, incorporador não presta serviço de “construção civil” ao adquirente, mas para si próprio.
Destarte, percebemos que o caso em testilha se amolda perfeitamente ao caso da “incorporação imobiliária direta", sendo a cobrança de Imposto de Serviço de Qualquer Natureza (ISS) feita pelo fisco municipal ilegal. Isso porque neste caso as etapas intermediárias são realizadas em benefício do próprio prestador (serviço-meio), não sendo caso de incidência do ISS, devendo ser julgado procedente o pleito com a concessão da segurança à ABC Construtora LTDA.
É isso mesmo, Gilberto. Acho até que essa situação é comparável àquela do ICMS, quando a mercadoria vai de um estabelecimento para outro, ambos pertencentes à mesma pessoa, quando então não se considera ter havido circulação. Segue notícia do CONJUR a respeito desse caso do ISS (http://www.conjur.com.br/2010-ago-04/incidencia-iss-atividade-incorporacao-imobiliaria-deixa-duvida):
Um tema que merece atenção das empresas do ramo de empreendimentos imobiliários, especialmente agora, diante das mais novas decisões do Superior Tribunal de Justiça, é o da cobrança indevida, pela municipalidade, do Imposto sobre Serviços (ISS) sobre a incorporação, visto que, no mais das vezes, a cobrança é realizada sobre fato que não se constitui serviço tributável, gerando um indevido pagamento em franca contrariedade à lei.
Em decisão do último dia 7 de junho, o STJ analisou que “não é possível a cobrança do Imposto sobre Serviços na atividade de incorporação imobiliária, quando a construção é feita pelo incorporador em terreno próprio, por sua conta e risco. O entendimento é da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o recurso do município de Natal (RN) contra a Empresa de Serviços e Construção Ltda (Escol)”.
No voto do relator, o ministro Castro Meira, ele destaca que “na incorporação direta, que é o caso, o incorporador constrói em terreno próprio, por sua conta e risco, realizando a venda das unidades autônomas por ‘preço global’, compreensivo da cota de terreno e construção. Como a sua finalidade é a venda de unidades imobiliárias futuras, concluídas, conforme previamente acertado no contrato de promessa de compra e venda, a construção é simples meio para atingir-se o objetivo final da incorporação direta; o incorporador não presta serviço de construção civil ao adquirente, mas para si próprio. Logo, não cabe a incidência de ISS na incorporação direta, já que o alvo desse imposto é atividade humana prestada em favor de terceiros como fim ou objeto; tributa-se o serviço-fim, nunca o serviço-meio, realizado para alcançar determinada finalidade. As etapas intermediárias são realizadas em benefício do próprio prestador, para que atinja o objetivo final, não podendo, assim, serem tidas como fatos geradores da exação”.
O ISS, conhecido como Imposto Sobre Serviços, regulamentado decisivamente pela a Lei complementar 116/97, além de legislações municipais, atento ao comando constitucional contido no artigo 156, III da Constituição Federal, é disciplinado pela referida lei complementar da seguinte forma: “artigo 1º — O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador”.
O ISS trata-se de tributo incidente sobre a efetiva prestação de um fazer humano consubstanciado em serviço, atrelado ainda, em observância ao critério da estrita legalidade, a já conhecida lista de serviços anexa à lei complementar, sob pena de absoluta ausência de previsão legal para cobrança.
Fica claro que na prestação de serviço tem que existir a figura do tomador, ou seja, aquele que recebe um serviço, noutro dizer, o ente que toma para si uma prestação de um fazer humano contratado. Já na figura do prestador, descobre-se o praticante direto do fato gerador, aquele que materializa, sob o ponto de vista da ótica tributária, a hipótese de incidência, o realizador da tarefa contratada.
Vale ressaltar, que o reconhecimento do encontro destes elementos é de suma importância, para fins da perfeita caracterização do serviço passível de tributação pelo ISS, independentemente da natureza do elo contratual que une os dois sujeitos implicados no fato. O contrato estabelecido, entre eles, é mera exteriorização da relação que se pretende travar, pois a essência do fato gerador repousa exatamente na ação realizada em si, para fins de caracterização da natureza da operação sob exame. Funciona assim, o pacto celebrado, apenas como indício não determinante do destino da tributação.
Portanto, só há ISS diante de uma efetiva prestação de serviço, e diga-se ainda, não sobre o seu resultado, pois independentemente deste, o serviço foi prestado. Em assim sendo, diante de uma obrigação de realizar o fato, como já brilhantemente pontuou o Mestre Aires F. Barreto, em sua reverenciada obra “Curso de Direito Tributário Municipal“, de 2009, se o ISS incidisse sobre a relação jurídica bastaria contratar a prestação de serviço para incidir imposto, independentemente da sua efetiva realização. Passando então, a ser um imposto sobre contratos e não sobre serviços.
A luz de tudo isto, analisa-se a venda de unidades imobiliárias quando construídas pelo incorporador, dono do terreno sob o qual o empreendimento foi implantado. Operação sob a qual a municipalidade vem exigindo, ilegalmente, o pagamento do Imposto sobre serviços.
Os negócios de venda de unidades imobiliárias exteriorizam-se em compra de imóvel com entrega futura, na qual, o vendedor das unidades se responsabiliza a realizar a construção seja por ele próprio ou mediante contratação de terceiro. Em sendo um terceiro, o responsável pela construção do imóvel, facilmente identificam-se as figuras do tomador do serviço (incorporador, que pode ser o dono de imóvel) e do prestador dos serviços (mero construtor). O problema está quando o dono do imóvel e o construtor fundem-se na mesma pessoa, pois a pertinência do ISS desaparece justamente quando se revela a inexistência dos dois sujeitos individualizados, o prestador e o tomador dos serviços, ante a obviedade de ninguém poder prestar serviço para si próprio.
Esta configuração, de suma importância, é definidora do destino desta operação, sob o ponto de vista da tributação local. Pois que a verdadeira compreensão da realidade fática é que determinará com absoluta legitimidade a pertinência do direito da Municipalidade ao ISS.
Num outro enfoque, já percebido pelo STJ, não é simples o fato de as unidades imobiliárias serem vendidas na planta que é determinante para caracterizar a prestação de serviço. Para o órgão, merece análise toda a configuração da operação, identificando-se os elementos necessários para existência de prestação de serviço passível de incidência de ISS.
De fato, pela natureza deste contrato de venda futura, é efetivamente a empresa, por vezes dona do terreno no qual será erguida a edificação, que arca com todos os seus custos, riscos e eventuais prejuízos, distintamente das chamadas construção por condomínio, pois os custos não necessariamente guardam relação com valor pago pelos adquirentes da unidade a ser construída, e, muitas vezes, estes recursos não são diretamente e integralmente usados para a obra, havendo casos em que ela é custeada pelo incorporador. Esvazia-se, assim, por completo a fundamentação jurídica da cobrança do ISS, na medida em que a construção é etapa de um núcleo muito maior que é a entrega da unidade imobiliária, especialmente, diante da constatação de não ser possível prestação de serviço para si próprio.
Resgatando um salutar tecnicismo, nota-se ainda que a própria designação do termo incorporação, na letra da norma (Lei 4.591/64), deixa dúvida acerca da pertinência da pretendida incidência do ISS, não fazendo parte, inclusive, do rol de serviços expostos na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03, nem tampouco se encontra na lista anterior que acompanhava o Decreto-Lei 406/68, fragilizando ainda mais a pretensa cobrança.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu por diversas vezes que se o incorporador assume as funções de construtor e em terreno alheio, realizada por forma de empreitada ou de administração, está obrigado ao tributo. Na hipótese referida, tem-se uma construção sob encomenda em terreno de terceiro, se delineado, claramente, a figura do tomador e a do prestador, sob a qual, configura-se fato gerador de ISS incidente, repise-se, sobre a construção feita pelo incorporador que cumulou as duas tarefas.
Enquanto não seja possível a prestação de serviço para si próprio, somando-se inexistência expressa do item incorporação da lista dos serviços do ISS, mostra-se ilegal qualquer tentativa de cobrança do referido imposto, devendo as empresas, ficarem atentas, a mais esta investida do fisco contra seu patrimônio.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA