Duas pessoas jurídicas, a XX e a YY, ajustam que uma delas (XX) treinará e preparará os empregados da outra, de modo a qualificá-los. O contrato prevê o início de execução (duas semanas após a assinatura), a remuneração, o prazo de vigência e o caráter personalíssimo do acerto, devido à expertise única da empresa prestadora. Não se ajustou cláusula penal. A sociedade XX, dois dias depois da assinatura do pacto, desiste de cumpri-lo, já que recebeu oferta melhor de terceiro, e isso ocupará todo o seu pessoal. Indaga-se: é possível a desistência? E a resolução? Com ou sem perdas e danos? Há possibilidade de compelir-se a prestadora a executar o ajuste? Obrigatória a fundamentação à luz dos dispositivos pertinentes.
A questão trazida pelo enunciado está inserida no campo obrigacional (direito pessoal), regido pelos art. 233 e ss. do CC, e diz respeito a uma possível quebra de contrato personalíssimo, que somente pode ser cumprido pela parte contratada, em função de um característica especial (nesse caso, a expertise única da empresa contratada).
Relativamente à possibilidade de desistência, é de se dizer ser possível, notadamente porque os contratos de natureza civil são regidos pelo princípio da autonomia da vontade, e não obstante a necessidade de se observar a boa-fé contratual, ninguém é obrigado a fazer algo, senão em virtude de lei (art. 5º, IV, CF).
Todavia, como há um descumprimento da obrigação, gerando a inadimplência culposa e absoluta do contrato, e em ainda em razão da sua natureza "intuito personae", o contrato deverá ser resolvido, com a responsabilização do devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária (índices oficiais regularmente estabelecidos) e ainda honorários advocatícios, conforme previsão legal do art. 389, CC, não obstante não tenha se firmado qualquer cláusula penal.
Deve ser mencionado que, não obstante esteja claro o dolo do devedor em não executar sua obrigação, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, como traz a dicção do art. 403, CC.
Em relação à possibilidade de compelir a prestadora a executar o ajuste, bom lembrar que o contrato personalíssimo, como já dito outrora, está no campo privado, onde impera, mesmo que não absoluto, o princípio da automia da vontade das partes. Todavia, mesmo não sendo dado ao Poder Judiciário substituir-se à vontade das partes para compelir o indimplente a executar o serviço, nessas condições, é possível, e até mesmo desejável, para evitar a repetição de comportamentos tais, violadores da boa-fé objetiva dos contratos, o arbitramento de multa cominatória, notadamente por se tratar de um contrato de execução personalíssima, onde somente o devedor poderia cumpri-lo.
Nessas circunstâncias, a própria cominação da multa pela inexecução contratual funcionaria efetivamente como um modo coercitivo e indireto de compelir a execução pelo devedor que, diante da sanção imposta, poderia reavaliar a sua posição. Ao revés, impor-lhe somente a indenização, seria permitir ao devedor, a um baixo ônus, optar entre cumprir ou não cumprir, situação que não atenderia aos princípios conformadores da seara civil, notadamente a boa-fé contratual e a eticidade.
Karla, segue o espelho da banca (consegui de um material que eu tenho):
O contrato de prestação de serviço já estava aperfeiçoado, e seus termos obrigam os contraentes (pacta sunt servanda). A ideia geral é a obrigatoriedade (princípio da obrigatoriedade) e, em regra, as partes devem cumprir as suas prestações tal qual ajustadas (cf. art. 313 e 475 do Código Civil). O devedor não tem a escolha entre cumprir ou ressarcir. As hipóteses em que a lei autoriza o arrependimento formam a exceção, e apenas incidem nos casos admitidos pelo ordenamento (v.g., art. 49 do Código do Consumidor – Lei nº 8.078/90). A possibilidade de resolver o contrato, com a obtenção de perdas e danos, existe em favor da sociedade YY, nos expressos termos do art. 247 e 475 do Código Civil. Sem causa legal que a autorize, a prestadora afirma-se desvinculada de sua obrigação de fazer, de natureza infungível, de modo que resta caracterizada a inexecução culposa da prestação, e o devedor responde pelas perdas e danos (art. 389 do Código Civil). Já a sociedade XX, prestadora, não é autorizada a arrepender-se (ou desistir), e nem mesmo existe hipótese que a permita resilir o contrato, através de denúncia. Ela tampouco tem a alternativa de
resolver o contrato, aproveitando-se da dicção do art. 247 do Código Civil, já que essa regra, por si, não retira a possibilidade de o credor buscar o cumprimento específico da obrigação (regra dos artigos 313 e 475 do Código Civil). Assim, ao invés de exigir perdas e danos, o credor pode ingressar com ação buscando o cumprimento da prestação de fazer, a ser aparelhada por preceito cominatório, com amparo nos artigos 287 e 461, § 5º, do CPC (imposição de multa diária, para que a obrigação seja cumprida).
Eu achei que você escreve bem e possui uma fundamentação coerente. Mas, conforme o espelho que colei acima, a posição da banca foi no sentido de que a empresa poderia sim ser obrigada a executar o contrato. Se formos pensar bem, faz sentido. Conforme a questão, é um treinamento muito bom, exclusivo, que só aquela empresa fornece. Por mais que a contratante fosse indenizada, a reparação pecuniária não paga o prejuízo de ficar sem o conhecimento.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA