As empresas de laticínios OST S/A e MANDEL S/A, com sede no Município do Rio de Janeiro, realizam uma fusão em março de 2013, passando a se chamar KAYA S/A.
Já em pleno funcionamento, recebem uma
notificação do CADE sobre a abertura de
processo administrativo para a análise
do negócio societário, bem como a imposição de multa
de vinte mil reais, para cada uma, por ausência
de comunicação prévia
à autarquia sobre a fusão.
Inconformadas, ingressam com ação anulatória na
Justiça Federal no Rio de Janeiro em
face do CADE, buscando anular o processo administrativo instaurado e a própria multa. Alegam que o negócio: 1)
pode sofrer controle prévio ou posterior pelo CADE; 2) diminuirá o preço do produto, em razão do aumento da
produção; 3) aumentará a oferta de emprego.
Como Juiz Federal Substituto da Vara Cível da Seção Judiciária do Rio de Janeiro para a qual foi distribuída a demanda, como V. Sª decidiria a questão?
Primeiramente, cumpre observar que as empresas de laticínios OST S/A e MANDEL S/A ao realizarem a fusão, passando a se chamar KAYA S/A, efetuaram um ato de concentração (art. 90, I, da Lei nº 12.529/2011).
Deste modo, caso neste ato de concentração (fusão) um dos grupos envolvidos tenha registrado no último balanço faturamento bruto anual ou volume de negócios em valor equivalente ou superior a 750 milhões de reais e o outro grupo valor equivalente ou superior a 75 milhões de reais (art. 88, I e II, da Lei nº 12.529/2011 c/c Portaria Interministerial 994 dos Ministérios da Justiça e da Fazenda), tal ato deverá ser submetido ao CADE.
Por outro lado, cumpre destacar que diferentemente do que alega a parte autora, a submissão do ato à apreciação do CADE deve ser prévio à fusão, cuja decisão deverá ocorrer no prazo máximo de 240 dias (art 88, §2º, da Lei nº 12.529/2011). A consumação da fusão antes da análise do CADE enseja a anulação do ato de concentração (art. 88, §3º, da Lei nº 12.529/2011).
Ademais, observa-se que a multa pecuniária aplicada pela autoridade administrativa (R$ 25.000,00) se encontra abaixo do mínimo legal estabelecido, no valor R$ 60.000,00, conforme art. 88, §3º, da Lei nº 12.529/2011, parte final.
Deste modo, diante do princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF), com o escopo de o poder judiciário não se imiscuir em tarefa típica do poder executivo, comunique-se ao CADE para que retifique a multa imposta (súmula 473 do STF), uma vez que expedida em valor abaixo do mínimo legal.
Outrossim, vale destacar que a diminuição do preço do produto, em razão do aumento da produção e o aumento da oferta de emprego não são elementos aptos para – por si só – autorizar o ato de concentração. Com efeito, deve ser analisado eventual eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens e serviços (art. 88, § 5º, da Lei do CADE).
Por fim, não é ocioso informar que, mesmo havendo – em tese - eventual configuração de infração à ordem econômica, utilizando-se a “regra da razão” poderá ser permitido o ato de concentração, em virtude de maiores ganhos ao consumidor, último elo da cadeias econômica.
Ângelo, dei uma olhada na sua questão e creio que você atendeu bem aos itens i e iii trazidos no espelho da banca, porém faltou mencionar sobre a impossibilidade de análise pelo judiciário antes da análise do CADE.
Segue o espelho da banca.
- Resposta: A correta abordagem da questão exige que o candidato examine: (i) - a submissão da fusão ao controle prévio do CADE. O enunciado suprime a referência ao faturamento das sociedades envolvidas, de modo a tornar menos óbvia a aplicabilidade do art. 88, § 2º, da Lei 12.529/2011. O candidato deve raciocinar a partir dos dados ofertados e, conforme a causa de pedir, a incidência do controle da autarquia é incontroversa: o que se alega é que ele pode ser
posterior. A data de consumação da fusão (março de 2013) indica que o ato se dá sob a vigência da
12.529/2011. O ponto nevrálgico é justamente enfocar a mudança da legislação (advento da Lei nº 12.529/2011), que não mais permite o controle
posterior, ao contrário da lei anterior (Lei 8884/94), que dava ao agente econômico a opção de submeter a operação, ao CADE, para controle prévio ou posterior (art. 54, §4º, da lei antiga). Antes de materializar o ato societário (fusão), os agentes devem submetê-lo à aprovação prévia do CADE, sob pena de nulidade e de multa (art. 88, § 3º da Lei nº 12.529/2011). O desenvolvimento satisfatório desse tema dá ensejo ao grau de até 1,0 ponto. (ii) o não cabimento da análise imediata, pelo Judiciário, da aferição sobre se o CADE deve ou não autorizar o negócio por razoabilidade pode prestigiar um ou alguns princípios da ordem econômica (art. 170, CR/88) em detrimento de outros. Contudo, essa aferição ainda será feita, no prazo legal, e não cabe ao Judiciário antecipar-se ao veredicto da autarquia técnica. (iii) apesar de a multa imposta (vinte
mil reais) ter valor inferior ao mínimo estipulado pelo art. 88, §3º, da Lei 12.529/2011 (sessenta mil reais), esse fato, por si só, não permite ao Juiz anulá-la, pois, no particular, o vício não prejudica o interessado. Nada impede, entretanto, a notícia do fato na decisão (multa em valor inferior ao mínimo legal). O CADE apenas determinou a abertura do procedimento administrativo e as sociedades ainda poderão apresentar suas defesas, tanto em relação à fusão, quanto em relação à multa
inicialmente imposta. Outro aspecto (apenas para
melhorar a avaliação): caso houvesse urgência na
materialização do ato na esfera comercial, as
interessadas deveriam postular no CADE na
forma do art. 59, §1º c/c o art. 88, § 6º; São irrelevantes para o acerto da questão (pontuação): 1. o suporte processual considerado pelo candidato: seja examinando a inicial e mandando citar, seja fazendo-o para efeito de examinar eventual tutela antecipada, seja analisando o mérito (ideal). O importante foi aferir a questão de direito econômico, desde que o suporte processual considerado fosse adequado ao enunciado, e
não fosse suprimida a análise do indagado. 2. incorreto fugir ao tema com soluções inaplicáveis. Assim: tratar de questões processuais, tais como: violação do PA ao devido processo legal/contraditório, rito da ação, errada afirmação da incompetência do juízo etc. Quanto à multa, caberia ao Juiz, na decisão, apenas noticiar a sua fixação em valor abaixo do mínimo legal, não podendo, de ofício, determinar ao CADE a sua revisão (aumento). A questão da multa abaixo do mínimo deve ser enfrentada. A mera improcedência do pedido em relação à multa, sem análise dessa questão (valor inferior ao mínimo do art. 88, §3º) não dará ensejo à pontuação integral.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA