Um ônibus da empresa Urbanil trafegava pela Avenida Lucio Costa, quando uma van, avançando o sinal, colidiu violentamente em sua lateral. No acidente, feriram-se quatro passageiros do ônibus, além do motorista da van e dois de seus respectivos passageiros. Discorra sobre a responsabilidade da empresa Urbanil em face de cada um dos feridos, aí incluídos seus passageiros, o motorista da Van e os passageiros da mesma.
A atribuição de responsabilidade da empresa Urbanil pelo evento danoso deve ser dividida. Quanto aos seus passageiros, a empresa responderá de forma objetiva, fulcrada na teoria do risco da atividade, e ainda independentemente de restar configurada a culpa exclusiva do terceiro (motorista da van). Isso porque o art. 734 e 735, ambos do CC, contém a chamada cláusula de incolumidade no contrato de transporte, tratando-se de uma obrigação de resultado, não podendo ser afastada nem mesmo na hipótese de culpa exclusiva de terceiro (art. 735, CC). Contudo, a empresa poderá pleitear ação regressiva contra o causador do dano (motorista/proprietário da van, conforme o caso).
Não obstante o exposto, acaso se trate de relação consumerista, nada obsta que as previsões do art. 14 do CDC sejam aplicadas ao caso, desde que mais favoráveis aos consumidores (passageiros). Este é inclusive o teor do enunciado 369, da IV Jornada de Direito Civil.
Por outro lado, no que tange a responsabilidade da empresa Urbanil em relação ao motorista da Van, e dos passageiros desta, por se trata de típica responsabilidade aquiliana, aqui incidirá as regras do art. 927 e seguintes do CC. Dessa forma, demonstrado que o motorista da van causou o acidente por ato ilícito (art. 186, CC - desrespeito a sinalização), será deste a responsabilidade direta pelos danos sofridos pelos passageiros da Van e pela empresa Urbanil, bem como, indiretamente, pelos danos causados ao passageiros do ônibus (através de ação regressiva da Urbanil).
Rodrigo, sinceramente, essa questão representa pra mim algumas dúvidas que eu tenho enorme dificuldade de resolver. São dúvidas que me acompanham já há algum tempo. Resolva pra mim aí, blz: nesse caso específico, em que você tem uma delegatária de serviço público prestando o transporte (ônibus), a regra da responsabilidade objetiva incide por aplicação do art. 37 da Constituição, por aplicação do art. 735 do CC ou por aplicação do CDC? Porque, se vc entender que se trata de serviço público, então há responsabilidade da delegatária por aplicação direta do 37, § 6º, não acha? Me parece que a aplicação do 735 é bem residual: só seria possível nas hipóteses em que não for serviço público e não se puder constatar a relação de consumo. E isso não parece ser o caso da questão.
Agora, minha dúvida mesmo é a seguinte (eu sei que eu deveria corrigir, mas fazer o que, apenas sou capaz de gerar polêmica nesse caso, hehe): sendo serviço público e ao mesmo tempo relação de consumo, aplica-se a responsabilidade objetiva pelo 14 do CDC ou pelo 37 da Constituição? Sei que em termos práticos talvez isso não faça a menor diferença. Mas enfim, acho que é relevante para fins de fundamentação da resposta.
De todo modo, pra mim é indiscutível que a responsabilidade pelo transporte de passageiros é objetiva. E, como você bem apontou, a modalidade de responsabilidade objetiva a ser usada é a do risco administrativo. Isso significa dizer que o nexo nesse caso pode ser quebrado pela culpa exclusiva da vítima e pelo caso fortuito ou força maior.
E aqui eu tenho uma visão diferente da sua. Em relação ao motorista da van, eu diria que não caberia à empresa qualquer responsabilização por seus ferimentos (especificamente do motorista), já que foi ele que deu causa ao acidente, sendo dele a culpa exclusiva. Já em relação às demais vítimas (tanto do ônibus quanto da van), entendo que elas poderiam ingressar com ações de reparação tanto em face da Urbanil quanto em face do motorista da van. E aqui novamente a ideia do fundamento legal. Em face da Urbanil, acho que seria pela responsabilidade objetiva do 37 da CRFB ou do 14 do CDC. Já em face do motorista da van, constatada a relação de consumo, a aplicação seria do 14 do CDC. Caso contrário, acho que vc poderia só então se valer do art. 735, a não ser que se proponha uma complementação pelo diálogo das fontes (essa viagem tá indo mais longa do que eu imaginei, rs....).
De todo modo, nada impediria que, condenada a Urbanil a arcar com valores indenizatórios, pudesse ela ingressar regressivamente na justiça contra o motorista da van, causador do acidente.
Lembrando, claro, que no Juizado Especial a Urbanil não poderia provocar a intervenção de terceiro (art. 10, 9.099). Agora, veja: se se ingressa na justiça comum alegando responsabilidade objetiva do Estado apenas, não há óbice para a intervenção. Todavia, constatada a relação consumerista, por aplicação do art. 88 do CDC e seguindo o entendimento de que o 13 do CDC se aplica tanto para fato do produto quanto do serviço (parece haver alguma divergência jurisprudencial aqui, pelo que eu pesquisei), também não seria possível a intervenção de terceiro.
Enfim, talvez isso seja muita complicação da minha cabeça. Mas achei importante colocar aqui pra ver se conseguimos chegar a um consenso, rs.
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