João Manoel ingressa no serviço público, após aprovação em concurso, para os quadros de professor de nível médio do Estado.
O Estatuto do Servidor do Estado, ao tempo da posse e exercício das atividades por João Manoel, previa o adicional por tempo de serviço, no equivalente a 5% dos vencimentos a cada três anos de exercício.
Passados quatorze anos da posse de João Manoel, entra em vigor nova lei, regulando o tema, e estabelecendo adicional de 1% dos vencimentos a cada três anos.
O Estado continua aplicando a lei antiga para os servidores que ingressaram ao tempo desta, vindo, seis anos após, a mudar sua orientação, aplicando a nova legislação para todos, respeitando apenas as incorporações no tempo em que a lei antiga vigia.
Inconformado, João Manoel ajuíza demanda postulando o direito adquirido à lei do tempo do ingresso, somada à legítima expectativa de continuar percebendo o adicional naquela forma, diante da conduta do Estado. Sendo você o juiz da causa, como decidiria?
Decidiria improcedente a demanda. Não há direito adquirido à regime jurídico administrativo, entendimento este sufragado e pacificado tanto no STJ, como no STF.
Servidor estatutário, como é o caso de João Manoel, submete-se diretamente à lei regente de seu cargo/carreira/função. Sendo lei, estará sempre sujeita à alterações, não podendo permanecer vinculado à regra/norma revogada.
Nesse aspecto, não há falar em direito adquirido a permanecer em regra antiga. O que há é o direito a ter resguardado os benefícios que se incorporaram em seu patrimônio jurídico até a vigência da lei nova (art. 6º, §2º, LINDB), o que foi, conforme o caso apresentado, devidamente respeitado.
Por fim, no mesmo sentido, não há legítima expectativa em continuar recebendo o adicional de 5%. Ora, deve-se resguardar os direitos já incorporados, bem como a irredutibilidade formal de vencimentos (art. 37, XV, CF). o que não se confunde com a estagnação do regime jurídico, o qual poderá/deverá se ajustar aos novos parâmetros cabíveis, de forma a tutelar o interesse público.
Rodrigo, de fato, não há direito adquirido ao regime jurídico. Então, pelo que eu entendi da sua resposta, João terá direito aos valores incorporados até a data em que entra em vigor a nova lei.
Até os 12 anos de serviço, portanto, ele recebe o adicional de 5% e tem direito adquirido a esse valor. Depois disso, a Administração pode tranquilamente começar a pagar 1% de adicional. No caso, a Administração não cortou o valor e João continuou recebendo os 5% até completar 20 anos de serviço. Mas, o fato de a Administração ter pagado isso até os 20 anos não significa que ele tenha incorporado os valores, já que não se adquire direito advindo de erro da Administração. Isso também é jurisprudência pacífica dos Tribunais.
Complementando sua resposta, já que isso não foi pedido no enunciado da questão, acho que uma pergunta interessante seria a seguinte: o servidor teria de devolver esses valores recebidos indevidamente? E aí cabe aquele entendimento mais do que pacífico do STJ e inclusive do TCU no sentido de que valores recebidos de boa-fé pelo servidor não devem ser restituídos. Essa pergunta é interessante porque há hoje a compreensão de que valores recebidos em decisões judiciais, mormente quando em antecipação de tutela, devem ser devolvidos em caso de reversão do entendimento na sentença final. Eu tenho um resumo interessante sobre esse caso. Segue aí abaixo:
I – Se o servidor público recebe valores por força de decisão administrativa posteriormente revogada: NÃO é devida a restituição ao erário dessa quantia. Há boa-fé do servidor.
II – Se o servidor público recebe valores por força de decisão judicial posteriormente revogada: É devida a restituição ao erário dessa quantia. Não há boa-fé. EXCETO SE HOUVER DUPLA CONFORMIDADE.
O STJ entende que, neste caso, não se pode falar em boa-fé do servidor, considerando que ele sabia que poderia haver alteração da decisão que tinha caráter precário (provisório).
(STJ. 1ª Seção. EAREsp 58.820-AL, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 8/10/2014).
III – Se o servidor público recebe valores por sentença judicial transitada em julgado. Posteriormente, esta sentença é desconstituída em ação rescisória: NÃO é devida a restituição da quantia. Há boa-fé. STJ. 1ª Seção. EAREsp 58.820-AL, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 8/10/2014 (Info 548).
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA QUE DETERMINA O RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE. CONFIRMAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO REFORMADA NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ.
1. A dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de primeira instância, de sorte que, de um lado, limita a possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica submetida a julgamento; e, de outro, cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância.
2. Essa expectativa legítima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, é suficiente para caracterizar a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada, porque, no mínimo, confia - e, de fato, deve confiar - no acerto do duplo julgamento.
3. Por meio da edição da súm. 34/AGU, a própria União reconhece a irrepetibilidade da verba recebida de boa-fé, por servidor público, em virtude de interpretação errônea ou inadequada da Lei pela Administração. Desse modo, e com maior razão, assim também deve ser entendido na hipótese em que o restabelecimento do benefício previdenciário dá-se por ordem judicial posteriormente reformada.
4. Na hipótese, impor ao embargado a obrigação de devolver a verba que por anos recebeu de boa-fé, em virtude de ordem judicial com força definitiva, não se mostra razoável, na medida em que, justamente pela natureza alimentar do benefício então restabelecido, pressupõe-se que os valores correspondentes foram por ele utilizados para a manutenção da própria subsistência e de sua família.
Assim, a ordem de restituição de tudo o que foi recebido, seguida à perda do respectivo benefício, fere a dignidade da pessoa humana e abala a confiança que se espera haver dos jurisdicionados nas decisões judiciais.
5. Embargos de divergência no recurso especial conhecidos e desprovidos.
(EREsp 1086154/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2013, DJe 19/03/2014)
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA