O princípio da insignificância se aplica aos crimes tributários?
Em caso negativo explique o motivo e em caso positivo, explane sobre os eventuais parâmetros concretos para a aplicação e caracterização do referido princípio.
Não há qualquer óbice em que se aplique o postulado da insignificância material aos delitos tributários. Em vista da intervenção mínima e da subsidiariedade, fundamentos do Dir. Penal, parece-nos temerário a vedação abstrata da incidência do princípio da insignificância a qualquer crime.
Em relação a delitos tributários praticados contra a União aplica-se como parâmetro da tipicidade material o valor considerado mínimo para que a Fazenda Pública tenha interesse na execução fiscal de tais valores. Nesse ponto há divergência entre o STJ e o STF.
Com base me Lei Federal, o STJ entende que tal limite mínimo é de dez mil reais de tributos sonegados, pois é o limite previsto na Lei para execuções fiscais de débitos federais.
Já o STF, com base em Portaria do Ministério da Fazenda, a qual aplica o limite mínimo de vinte mil reias de tributos sonegados para a propositura de ações fiscais, considera ser este (20 mil reais) o parâmetro para a incidência do princípio da insignificância.
A razão da divergência reside no fato de que o STJ entende que aplicar a atipicidade com base em ato infralegal violaria a legalidade. Em sentido contrário, o STF entende que tal parâmetro (portaria ministerial), sendo aplicado em benefício do réu, pode ser usado, dando prevalência à intervenção mínima e a subsidiariedade do Dir. Penal, não sendo proporcional alguém ser processado penalmente, sem que haja interesse da propositura de uma ação fiscal pela Fazenda Nacional, ainda que baseado em ato infralegal.
Por fim, importante consignar que há julgados do STJ no sentido de que tais parâmetros não devem balisar crimes tributários contra a fazenda estadual/municipal. Dessa forma, sendo a supressão/redução de tributos estaduais/municipais e não havendo qualquer norma do ente estabelecendo limites a propositura de ações fiscais, não pode ser utilizado os parâmetros usados na esfera federal (seja 10 ou 20 mil reais). A nosso ver não parece ser razoável tal entendimento, pois a analogia pode e deve ser usada em Dir. Penal para favorecer a liberdade do cidadão, bem como para dar integridade e coerência ao ordenamento jurídico, dando respostas semelhantes a situações análogas.
Excelente resposta. Ótima redação. Trouxe a divergência entre o Supremo e o STJ.
RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELO PARQUET. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AFASTAMENTO.
POSSIBILIDADE. VALOR DOS TRIBUTOS ILUDIDOS QUE ULTRAPASSA 20 MIL REAIS. RECURSO PROVIDO.
1. Soa imponderável, contrária à razão e avessa ao senso comum tese jurídica que, apoiada em mera opção de política administrativo-fiscal, movida por interesses estatais conectados à conveniência, à economicidade e à eficiência administrativas, acaba por subordinar o exercício da jurisdição penal à iniciativa da autoridade fazendária. Sobrelevam, assim, as conveniências administrativo-fiscais do Procurador da Fazenda Nacional, que, ao promover o arquivamento, sem baixa na distribuição, dos autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00, determina, mercê da elástica interpretação dada pela jurisprudência dos tribunais superiores, o que a Polícia pode investigar, o que o Ministério Público pode acusar e, o que é mais grave, o que o Judiciário pode julgar.
2. Semelhante esforço interpretativo, a par de materializar, entre os jurisdicionados, tratamento penal desigual e desproporcional se considerada a jurisprudência usualmente aplicável aos autores de crimes contra o patrimônio, consubstancia, na prática, sistemática impunidade de autores de crimes graves, decorrentes de burla ao pagamento de tributos devidos em virtude de importação clandestina de mercadorias, amiúde associada a outras ilicitudes graves (como corrupção, ativa e passiva, e prevaricação) e que importam em considerável prejuízo ao erário e, indiretamente, à coletividade.
3. Sem embargo, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.112.748/TO, rendeu-se ao entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal de que incide o princípio da insignificância no crime de descaminho quando o valor do tributo iludido não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00, de acordo com o disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Ressalva pessoal do relator.
4. A Lei n. 11.457/2007 estabeleceu que os débitos decorrentes de contribuições previdenciárias serão considerados como dívida ativa da União, atribuindo-lhes tratamento semelhante ao dos créditos tributários. Dessa forma, em relação à incidência do princípio da insignificância, os critérios a serem adotados tanto nos delitos de descaminho como nos de apropriação indébita previdenciária serão os mesmos.
5. No caso, como o valor apurado a título de tributos iludidos (R$ 18.078,59), ultrapassa o mínimo previsto na Lei n. 10.522/2002, vigente à época da prática delitiva, é de ser afastada a incidência do princípio da insignificância.
6. Recurso especial provido, para reconhecer a tipicidade material da conduta imputada aos recorridos e, consequentemente, determinar o retorno dos autos ao Juízo de primeiro grau para que prossiga no julgamento do feito.
(REsp 1529964/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/11/2015, DJe 23/11/2015)
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA