O Município Y realiza o pagamento do justo valor indenizatório de específico imóvel, efetivando a sua desapropriação, no dia 1º de abril de 2004.
Por não mais ter interesse em se utilizar do mesmo, e após o procedimento legal e licitatório próprio, o aliena para a empresa WXW Construções Imobiliárias L.T.D.A., no dia 20 de novembro de 2006.
Em janeiro de 2010, Coriolano da Silva, o antigo proprietário, fica sabendo do fato e, inconformado, procura advogado para reaver seu imóvel, mas vem a falecer antes do ajuizamento da ação.
Seu único filho e herdeiro, ciente de tudo, ajuíza a ação no dia 1º de abril de 2010, pretendendo reaver o bem imóvel ou a indenização correspondente. Faz figurar no pólo passivo o Município e o atual proprietário, que alegam ilegitimidade ativa, prescrição e descabimento da devolução do bem. O M.P. diz não ter interesse, indo os autos à conclusão para sentença.
Analise os 3 (três) pontos levantados pelas defesas, e outros pertinentes.
*Resposta baseada no livro de Fernanda Marinela e em conhecimentos/entendimentos próprios (cuidado!)
O direito à retrocessão surge da tredestinação ilícita do bem expropriado. Tredestinação é o desvio de finalidade do ato administrativo. Mantendo-se a finalidade genérica do ato, a busca do interesse público, ainda que a finalidade específica seja alterada (vg.: ao invés da construção de uma escola, decide-se pela feitura de um hospital), não há direito à retrocessão, pois lícito tal proceder.
Contudo, acaso exista o desvio da finalidade genérica (interesse público), assiste direito ao particular a busca de seu patrimônio, indevidamente subtraído (direto de reaver, uma das faculdades do direito de propriedade - sequela), ou seja, terá direito a pleitear a retrocessão do bem.
Neste ponto, no que tange a natureza jurídica do direito de retrocessão, há três correntes: a primeira, baseada no art. 519, do Código Civil, entende ser direito pessoal; outra corrente, capitaneada pela Prof. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, sustenta que a retrocessão tem natureza mista, cabendo ao expropriado decidir se quer reaver o bem ou a conversão em perdas e danos; por fim, Celso A. B. de Melo entende ser direito real, posição esta adotada pelos tribunais superiores.
Com base no exposto, adotando a natureza real da retrocessão, mostra-se possível o pedido de devolução do bem. Como o município não deu destinação pública ao imóvel (tredestinação ilícita), somado ao fato de que não houve a incorporação do bem à fazenda pública (onde incidiria a vedação contida no art. 35, do DL 3.365/41), cabível o pedido de devolução.
De outro lado, sendo a devolução da propriedade ilicitamente suprimida um direito potestativo do autor, não há que se falar em prescrição. Quanto ao pedido subsidiário, a conversão em perdas e danos: sendo o início do prazo prescricional a data da alienação à empresa WXW, 20/11/2006 (marco do desvio de finalidade - violação do direito, nascendo a pretensão), tendo o autor ajuizado a ação em 01/04/2010, verifica-se que não houve a prescrição de tal direito, pois não decorrido o prazo de 5 anos (prazo especial para pleitear divídas contra a fazenda - entendimento prevalente).
Por fim, sendo o autor o legítimo herdeiro dos bens de seu falecido pai, com base em seu direito à sucessão, figura como parte legítima e interessada ao pleito formulado.
Excelente resposta.
DIREITO ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - RETROCESSÃO - DESVIO DE FINALIDADE PÚBLICA DE BEM DESAPROPRIADO - DECRETO EXPROPRIATÓRIO.
CRIAÇÃO DE PARQUE ECOLÓGICO. NÃO EFETIVAÇÃO. BENS DESTINADOS AO ATENDIMENTO DE FINALIDADE PÚBLICA DIVERSA. TREDESTINAÇÃO LÍCITA.
INEXISTÊNCIA DE DIREITO À RETROCESSÃO OU À PERDAS E DANOS.
1. A retrocessão é o instituto por meio do qual ao expropriado é lícito pleitear as conseqüências pelo fato de o imóvel não ter sido utilizado para os fins declarados no decreto expropriatório. Nessas hipóteses, a lei permite que a parte, que foi despojada do seu direito de propriedade, possa reivindicá-lo e, diante da impossibilidade de fazê-lo (ad impossibilia nemo tenetur), venha postular em juízo a reparação pelas perdas e danos sofridos.
2. A retrocessão constitui-se direito real do ex-proprietário de reaver o bem expropriado, mas não preposto a finalidade pública (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 17ª edição, pg. 784).
3. Precedentes: RESP n.º 623.511/RJ, Primeira Turma, deste relator, DJ de 06.06.2005) RESP nº 570.483/MG, Segunda Turma, Rel. Min.
Franciulli Netto, DJ de 30.06.2004).
4. Outrossim, o Supremo Tribunal Federal também assentou a natureza real da retrocessão: "DESAPROPRIAÇÃO - Retrocessão - Prescrição - Direito de natureza real - Aplicação do prazo previsto no art. 177 do CC e não do quinquenal do De. 20.910/32 - Termo inicial - Fluência a partir da data da transferência do imóvel ao domínio particular, e não da desistência pelo Poder expropriante." (STF, ERE 104.591/RS, Rel. Min. Djaci Falcão, DJU 10/04/87) 5. Consagrado no Código Civil, o direito de vindicar a coisa, ou as conseqüentes perdas e danos, forçoso concluir que a lei civil considera esse direito real, tendo em vista que é um sucedâneo do direito à reivindicação em razão da subtração da propriedade e do desvio de finalidade na ação expropriatória.
6. O Supremo Tribunal Federal concluiu que:"Desapropriação.
Retrocessão. Alienação do imóvel. Responsabilidade solidária. Perdas e danos. Código Civil, art. 1150 - Transitado em julgado o reconhecimento da impossibilidade de retrocessão do imóvel por já incorporado ao patrimônio público e cedido a terceiros, razoável é o entendimento, em consonância com doutrina e jurisprudência, do cabimento de perdas e danos ao expropriados - Recursos extraordinários não conhecidos." (STF - RE nº 99.571/ES, Rel. Min.
Rafael Mayer, DJU de 02/12/83).
7. É cediço na doutrina que o Poder Público não deve desapropriar imóveis sem lhes destinar qualquer finalidade pública ou interesse social, exigência constitucional para legitimar a desapropriação.
Com efeito, "não pode haver expropriação por interesse privado de pessoa física ou organização particular" (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, p. 576).
8. O e. STJ através da pena do Exmº Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros no julgamento do REsp 412.634/RJ, afirmou que a obrigação de retroceder "homenageia a moralidade administrativa, pois evita que o Administrador ? abusando da desapropriação ? locuplete-se ilicitamente às custas do proprietário. Não fosse o dever de retroceder, o saudável instituto da desapropriação pode servir de instrumentos a perseguições políticas e, ainda ao enriquecimento particular dos eventuais detentores do Poder" (EDREsp 412.634/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 09.06.2003).
9. In casu, o Tribunal a quo com ampla cognição de matéria fático-probatória, cujo reexame é vedado ao E. STJ a teor do disposto na Súmula n.º 07/STJ, assentou que, muito embora não cumprida a destinação prevista no decreto expropriatório - criação de Parque Ecológico -, não houve desvio de finalidade haja vista que o interesse público permaneceu resguardado com cessão da área expropriada para fins de criação de um Centro de Pesquisas Ambientais, um Polo Industrial Metal Mecânico e um Terminal Intermodal de Cargas Rodoviário e Estacionamento.
10. Consectariamente, em não tendo havido o desvio de finalidade, uma vez que, muito embora não efetivada a criação de Parque Ecológico, conforme constante do decreto expropriatório, a área desapropriada for utilizada para o atingimento de outra finalidade pública, não há vício algum que enseje ao particular ação de retrocessão, ou, sequer, o direito a perdas e danos.
11. Precedentes que trataram de matéria idêntica à versada nos presentes autos: RESP n.º 800.108/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 20.03.2006; RESP n.º 710.065/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ de 06.06.2005; RESP n. 847092/SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJ. 18.09.2006.
12. Inexistente o direito à retrocessão uma vez que inocorreu desvio de finalidade do ato, o expropriados não fazem jus, da mesma forma, à percepção de indenização por perdas e danos.
13. Não há falar em retrocessão se ao bem expropriado for dada destinação que atende ao interesse público, ainda que diversa da inicialmente prevista no decreto expropriatório.
14. Recurso especial improvido.
(REsp 868.120/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/11/2007, DJ 21/02/2008, p. 37)
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA