A teor do artigo 467 do CPC, "denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário e extraordinário". Perguntamos:
a) É possível relativizar essa coisa julgada?
b) E na hipótese de vir a ser julgada inconstitucional determinada lei em que fundada sentença transitada em julgado?
e) Existe algum instrumento processual para atacá-la?
A segurança jurídica é um dos valores mais caros ao ordenamento constitucional brasileiro, caracterizando verdadeiro direito fundamental que possui o indivíduo para resguardar-se dos arbítrios do Estado. Enquadra-se como direito de primeira geração, com previsão específica no art. 5º, XXXVI, da CF, e se escuda pela cláusula pétra do art. 60, § 4º, IV, da Carta Maior.
Nessa linha, a doutrina decompõe a segurança jurídica em três garantias básicas, que formam o denominado "tripé da segurança jurídica": o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
Portanto, a coisa julgada é uma garantia do direito fundamental à segurança jurídica. Em razão desta natureza, é natural que o respeito à coisa julgada seja elevado a um dogma quase que absoluto.
Essa é justamente a regra adotada por nosso ordenamento. Salvo nas hipóteses legais expressas, quando será cabível a ação rescisória, a coisa julgada é intocável. Ademais, caso se esgote o prazo para a rescisória, a legislação não traz qualquer relativização expressa. Nesse caso, teremos o que a doutrina chama de coisa soberanamente julgada.
Ocorre que, sendo uma garantia fundamental, a coisa julgada se sujeita às mesmas técnicas de aplicação que regem os demais direitos e garantias fundamentais, notadamente àquelas adotadas para a solução de conflitos com outros direitos e garantias.
Na linha de Robert Alexy, os conflitos entre direitos e garantias fundamentais devem ser resolvidos da mesma forma que se resolvem os conflitos entre princípios: através da técnica da ponderação, relativizando-se um dos polos do conflito em favor do outro, diante das circunstâncias do caso concreto.
Desta forma, podemos dizer que a garantia da coisa julgada pode ser relativizada quando estiver em confronto com outro valor igualmente tutelado pela constituição e, na hipótese concreta, este último se revelar mais precípuo. Em suma, a coisa julgada pode ser relativizada quando a sua tutela, pura e fria, for inconstitucional.
Nesse mesmo sentido já se manifestou o STF numa hipótese em que, após o trânsito em julgado de uma decisão de improcedência por falta de provas de uma ação de paternidade, admitiu-se a relativização da coisa julgada para que o filho pudesse descobrir sua origem genética, lançando-se mão de meios de prova que não estavam disponíveis à época da primeira sentença (exame de DNA).
Vê-se que, naquela ocasião, estavam em conflito a coisa julgada e o direito de o filho conhecer as suas origens. Pela técnica da ponderação, o direito do demandante prevaleceu, dando azo à relativização da coisa julgada.
Em outra esteira, poderia se cogitar em relativização no caso em que a coisa julgada se funda em norma posteriormente declarada inconstitucional pelo STF. Porém, nesse caso, a ponderação muito dificilmente apontará em desfavor da coisa julgada.
Isso porque, como é cediço, a declaração de inconstitucionalidade, via de regra, produz efeitos ex tunc e erga omnes. Assim, na espécie, o desrespeito à segurança jurídica seria demasiado, pois toda e qualquer decisão transitada em julgado seria eternamente assombrada pelo receio de uma futura declaração de inconstitucionalidade da lei que a ensejou.
Ora, a técnica da ponderação se assenta no princípio hermenêutico da concordância prática, de modo que um dos valores em conflito jamais pode implicar a aniquilação do outro.
Por isso, em princípio, não se admite a relativização da coisa julgada com base em posterior declaração de incontitucionalidade, uma vez que entendimento contrário significaria uma verdadeira aniquilação da segurança jurídica.
Por outro lado, aquele que foi prejudicado pela coisa julgada decorrente de lei inconstitucional não poderia ficar completamente desamparado. Destarte, nesse caso, entendem os tribunais superiores que seria cabível (por uma aplicação analógica do art. 485 do CPC) ação rescisória, desde que ainda não encerrado o seu prazo decadencial de dois anos. Após esse prazo, à luz da segurança jurídica, a coisa julgada se torna imutável, a não ser que, excepcionalmente, a ponderação de valores imponha solução diversa.
Excelente resposta Edgar! Já tive o privilégio de ver espelhos de pessoas que passaram e sua resposta está no mesmo nível de qualidade e técnica jurídica. Nessas correções que eu vi, a banca costuma colocar os critérios de correção e pontuar conforme o candidato disserta sobre eles. Na sua questão, o que talvez acho que te tiraria alguns décimos seria ter desenvolvido pouco a resposta do segundo e terceiro itens. Não é minha intenção ser chata, mas tento ser xarope nas correções igual a banca é. Mas escrevendo bem assim sua aprovação virá em breve!
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA