O profissional do Direito, ao construir soluções para os casos, tem um dever analítico. Não bastam boas intenções, não basta intuição, não basta invocar ou elogiar princípios; é preciso respeitar o espaço de cada instituição, comparar normas e opções, estudar causas e consequências, ponderar as vantagens e desvantagens. Do contrário viveremos no mundo da arbitrariedade, não do Direito.
A partir do trecho citado, disserte sobre a proposição nele contida, abordando os seguintes pontos:
a) o enquadramento da propositura nas escolas jusnaturalistas ou do positivismo jurídico;
b) a relação que o texto estabelece entre princípios e normas;
c) a relação que a solução baseada exclusivamente em princípios com os tipos de racionalidade jurídica expostos por Max Weber;
d) o modo pelo qual o respeito ao espaço de cada instituição referido no texto acarreta novos desafios para a legitimidade da jurisdição estatal.
(resposta com consulta apenas à legislação)
Minha opinião:
O jusnaturalismo aplicado ao Direito pode ser enxergado como corrente filosófica que se apoia na noção de conceitos jurídicos a priori, absolutos, enquanto estruturas imutáveis e estanques, capazes de pautar a atividade humana independentemente da perspectiva com que se observe um dado fato. O positivismo jurídico, por sua vez, que tem entre seus maiores expoentes Hans Kelsen e Herbert Hart, é pautado pelas noções de relativismo ético e império da lei, embora haja grande divergência entre os próprios adeptos desta corrente.
Atualmente, com os estudos de Alexy e Dworkin, o norte filosófico do positivismo jurídico sofreu algumas mudanças, notadamente no que diz respeito à inserção dos princípios no conjunto de normas jurídicas e importância da argumentação jurídica no papel do operador do Direito, a culminar em última instância nos debates contemporâneos acerca do ativismo judicial.
Diante disso, considero que o dever analítico do profissional do Direito, tal qual citado no trecho em análise, se enquadra melhor na postura do positivismo jurídico. Com efeito, se o jusnaturalismo se ampara na noção de princípios universais, por exemplo, então sua justificativa para a invocação de tais normas independe de uma análise contingente de fatos, sendo antes explicada por si mesma.
No que diz respeito à relação entre princípios e normas, segundo a concepção mais moderna do tema, os princípios possuem, tal qual as regras, força normativa. É dizer: os princípios não são mais apenas vetores interpretativos ou integrativos; servem eles também de fundamento para a aplicação do Direito ao caso concreto, o que está de acordo com a visão nacional do que se optou por chamar de neoconstitucionalismo.
Vale ainda lembrar a diferença clássica entre princípios e regras (ambos considerados normas): aqueles como parâmetros mais abertos, derrogáveis por ponderação; estas como diretrizes mais objetivas de aplicação do Direito ao caso concreto, derrogáveis por critérios de hierarquia, cronologia e especialidade.
Não obstante, cabe ressaltar o conceito de derrotabilidade de normas, concebido por Herbert Hart. Segundo o referido autor, as normas jurídicas, sejam elas regras ou princípios, podem sofrer restrição de uso quando em choque com situações excepcionais, a depender do caso apresentado e da argumentação utilizada para tanto.
Diante desse quadro, parece pertinente a alusão do trecho do enunciado à necessidade de estudo de causas e consequências, bem como a ponderação de vantagens e desvantagens na construção de soluções para casos concretos. É o que se espera no contexto jurídico atual, em que há grande mutabilidade de institutos e normas, além de certa insegurança jurídica, decorrente dessas instabilidade que conceitos jurídicos vagos e imprecisos tais como os princípios geram. Nesse sentido, aliás, o novo Código de Processo Civil promoveu grande avanço, na tentativa de levar a jurisprudência dos tribunais a sério.
Gostei muito da sua resposta e já mencionei mais de uma vez que a sua redação é excelente, seus textos são agradáveis de ler. Essa parte de humanística é meio difícil de valorar, pois cada um tem o seu entendimento, mas achei que você expôs a sua opinião e fundamentou bem. Pra mim, sua resposta atendeu aos quesitos a, b e d, porém ficou faltando abordar a racionalidade jurídica pedida no item c. Por descontar proporcionalmente a falta de menção a este item, a nota foi 7.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA