Discorra sobre o princípio da reformatio in pejus abrangendo a) conceituação, b) exemplo prático; c) aplicabilidade aos casos do Júri e d) exponha como ocorre a reformatio in pejus indireta.
Existem dois sistemas no que se refere ao efeito devolutivo dos recursos: sistema do benefício comum e sistema da proibição da reformatio in pejus.
Pelo primeiro sistema, no direito processual penal brasileiro aplicável aos casos de recursos da acusação, o recurso interposto por uma das partes poderá beneficiar ambas, aceitando-se que a situação do recorrente seja piorada pelo próprio recurso (no caso, há possibilidade de reformatio in mellius).
Por outro lado, quanto ao princípio da proibição da reformatio in pejus, não é possível que a situação do recorrente seja piorada em razão do julgamento do próprio recurso interposto. Aplicável no direito processual penal brasileiro aos casos de recursos interpostos pela defesa ou habeas corpus impetrado em benefício do acusado, caso em que não se admite piora qualitativa ou quantitativa na situação do réu.
O princípio da proibição da reformatio in pejus tem previsão legal no artigo 617 do Código de Processo Penal, sendo exemplo típico o caso em que o magistrado de primeiro grau nada menciona acerca dos efeitos específicos da condenação constantes no artigo 92 do Código Penal e, na hipótese de recurso exclusivo da defesa, o Tribunal não poderá impô-los.
Com relação à aplicabilidade deste princípio aos casos do Tribunal do Júri, sabe-se que a soberania dos veredictos é considerada garantia constitucional prevista no artigo 5º, XXXVIII, c da Constituição de 1988. Assim, para parcela da doutrina, na hipótese em que seja anulada a decisão do júri em razão de recurso exclusivo da defesa, no próximo julgamento o júri poderá decidir como bem entender, reconhecendo qualificadoras antes afastadas, inclusive. Logo, o princípio da reformatio in pejus somente seria aplicado se presentes os mesmos fatos e circunstâncias do julgamento anterior; caso contrário, o princípio seria mitigado.
No entanto, para outros, mesmo diante da soberania dos veredictos, anulada anterior decisão por conta de recurso exclusivo da defesa, não poderá o novo julgamento agravar a pena do réu. Trata-se de típica hipótese de proibição da reformatio in pejus indireta, pela qual o magistrado que venha proferir a nova decisão em razão de recurso exclusivo da defesa que anulou a anterior não poderá agravar a situação do acusado.
Excelente resposta! Ainda teve a sutileza de fundir a segunda corrente relacionada a aplicação do princípio no Júri com a reformatio in pejus indireta. Nessa sua linha de raciocínio, no sentido de dar a mesma interpretação a casos semelhantes, me parece que o STF segue o entendimento do seu último parágrafo. Nesse sentido:
HC impede que novo julgamento pelo Júri classifique crime como hediondo
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a condenação de um sentenciado por homicídio se limite aos parâmetros fixados pelo Tribunal do Júri no primeiro julgamento. O ministro explicou que a classificação do delito como hediondo num segundo Júri, realizado por decisão em recurso apresentado exclusivamente pela defesa, agrava a situação do condenado, uma vez que interfere na execução penal. A decisão foi tomada no Habeas Corpus (HC) 136768.
O réu foi condenado em dezembro de 2011 pelo Tribunal do Júri à pena de 11 anos e 8 meses de reclusão por homicídio privilegiado-qualificado (artigo 121, parágrafos 1º e 2º, inciso IV, do Código Penal). Após provimento de recurso interposto unicamente pela defesa, foi realizado novo júri, em agosto de 2013, mas desta vez a condenação se deu por homicídio qualificado (artigo 121, parágrafo 2º, incisos II e IV, do CP), enquadrado como crime hediondo, e a pena foi majorada para 16 anos de reclusão.
A defesa recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) por entender que a sentença foi reformada em prejuízo do réu, a chamada reformatio in pejus. A apelação foi parcialmente acolhida para restabelecer a pena do primeiro julgamento, mas não foi restabelecida a classificação do crime como qualificado-privilegiado, o que, em razão da hediondez, acarreta efeitos gravosos no âmbito da execução penal, como por exemplo na progressão de regime.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou habeas corpus lá impetrado, assentando que a sentença condenatória e o acórdão da apelação nada dispuseram sobre o montante de pena a ser cumprido para progressão de regime. Nos crimes não hediondos, a progressão para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, pode ocorrer quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior (Lei 7.210/1984 – Lei de Execução Penal). Já nos crimes hediondos, a progressão de regime pode ser concedida após o cumprimento de dois quintos da pena, se o apenado for primário, e de três quintos, se reincidente.
No STF, as advogados do condenado sustentam que, na decisão do segundo julgamento, o Tribunal do Júri afastou o privilégio relativo à prática do delito sob o domínio de violenta emoção e reconheceu nova qualificadora para o crime de homicídio, “ou seja, transformou um crime de homicídio privilegiado-qualificado (não hediondo) em crime de homicídio qualificado (hediondo)”, agravando a situação do réu mesmo diante de recurso exclusivo da defesa. Pediram assim a concessão do HC para afastar o caráter hediondo aplicado no segundo julgamento e mantido nas demais instâncias.
Decisão
O ministro Edson Fachin explicou que a vedação à reformatio in pejus, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal, que proíbe o agravamento da pena nos casos em que o recurso tenha partido exclusivamente do réu, é consequência direta dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Salientou que a vedação também atinge a modalidade indireta, ou seja, a sentença condenatória, mesmo que tenha sido anulada, “limita, quantitativa e qualitativamente, eventual e futura resposta penal”, e citou jurisprudência do STF no sentido de que a pena não é a única circunstância a indicar a existência de reformatio in pejus.
O relator observou que, no caso dos autos, é irrelevante o fato de que a progressão de regime não tenha sido tratada na sentença ou no acórdão de apelação, pois os requisitos para a concessão de benefícios na execução da pena estão expressamente previstos em lei. Fachin ressaltou que a jurisprudência do próprio STJ é no sentido de que o homicídio qualificado-privilegiado não configura crime hediondo e, como tal aspecto não foi impugnado pela acusação, não poderia ser examinado no segundo julgamento. “Nessa medida, ao chancelar a condenação de crime hediondo, contrariando julgamento anterior precluso sob a ótica da acusação, verificou-se, desde logo, constrangimento ilegal”, ressaltou.
O ministro Edson Fachin não conheceu do habeas corpus, uma vez que a impetração foi apresentada em substituição ao recurso ordinário previsto constitucionalmente. Porém, ao verificar flagrante ilegalidade no caso, entendeu justificada a intervenção do STF e concedeu a ordem de ofício para determinar que a condenação observe, “quantitativa e qualitativamente”, os limites do primeiro julgamento e que, para todos os fins de execução de pena, seja reconhecida a ausência de hediondez do delito que motivou a condenação.
Processos relacionados
HC 136768
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA