O Direito à Saúde, na condição de direito (e dever) fundamental social consagrado no artigo 6º da Constituição Federal e objeto de regulamentação na ordem social (Art. 196 e ss.) tem amplamente deduzido em Juízo e patrocinado acalorado debate doutrinário, inclusive levando à realização de audiência pública pelo STF, que, especialmente no julgamento da STA 175, março de 2010, Relator Ministro Gilmar Mendes, consolidou uma série de critérios respeitantes ao tema.
Nesse contexto, responda as questões a seguir formuladas:
1) Tratando-se de direito fundamental, o direito à saúde aplica-se o regime jurídico pleno das normas de direitos fundamentais? Justifique .
2) Qual o sentido da assim chamada dupla dimensão objetiva e subjetiva do Direito (e dever) à Saúde e quais as principais consequências decorrentes de tal condição?
3) A titularidade do direito à saúde é individual ou transindividual (coletiva ou difusa)? Justifique com base na orientação adotada também pelo STF?
4) Quanto em causa a sua função positiva, ou seja, de direito subjetivo a prestações materiais do poder público, quais são as principais objeções invocadas em sentido contrário ao reconhecimento de um direito subjetivo pela via judicial e quais são principais argumentos e critérios utilizados para superar, no todo ou em parte, tais objeções?
1)Sim. O direito à saúde, previsto no art. 196 da CF, configura direito fundamental. Nessa condição, sob ele incide toda a aplicação do regime jurídico das normas de direitos fundamentais.
Isso porque o catálogo de direitos do Título II da Constituição Federal é aberto. Ou seja, trata-se de rol meramente exemplificativo. Ademais, o direito à saúde é previsto no artigo 6º da CF, sendo verdadeiro direito fundamental social. Portanto, embora não esteja inserido no art. 5º da CF, o direito à saúde é norma de aplicação imediata, art. 5º §1º, CF.
2)Os direitos fundamentais e consequentemente o direito à saúde possuem dupla dimensão, quais sejam, subjetiva e objetiva.
A dimensão subjetiva consiste na faculdade de um indivíduo, diante de um caso concreto, exigir uma abstenção ou prestação por parte do Estado.
Por sua vez, a dimensão objetiva do direito à saúde, complemento da subjetiva, tem por foco a concretização destes direitos basilares, de modo a exigir do Estado uma atuação positiva. O direito fundamental à saúde é alçado a valor norteador do ordenamento jurídico.
Desta feita, o Estado deve não apenas se abster de lesar o direito à saúde de um indivíduo, como também concretizar esse direito fundamental por meio de políticas públicas (prestação positiva). O Direito à saúde passa a ser norte de interpretação do ordenamento jurídico, irradiando para todos os ramos do Direito. Passa a incidir não apenas na relação entre estado-indivíduo, mas também na relação horizontal indivíduo – indivíduo.
Outra relevante consequência da dupla dimensão do direito à saúde, é que, diante da Constituição Normativa de 1988, na qual um dos princípios fundamentais é a dignidade da pessoa humana, art. 1, III, é possível que o Poder Judiciário, visando à concretização deste direito, profira decisão adentrando no mérito administrativo. Assim, o Poder Judiciário poderia, em casos excepcionais, determinar que o Estado promova políticas públicas destinadas a garantir o direito à saúde, sem que isso configure lesão ao princípio da separação dos poderes.
3)A titularidade do direito à saúde pode ser realizada tanto de forma individual quanto de forma transindividual. Isso porque o direito à saúde, por se configurar um direito social, pode ter um destinatário determinado (tutela individual), destinatários indeterminados (tutela difusa) ou uma gama de destinatários ligados por uma situação de direito (tutela coletiva). O STF corroborou referido entendimento por meio de decisão em sede de suspensão de tutela antecipada – STA, na qual foi estabelecido o cabimento de fornecimento de medicamentos em face da Fazenda Pública por meio de liminar.
4) Para obstar o reconhecimento de um direito subjetivo a prestações materiais do poder público relacionado à saúde, são apresentados os seguintes argumentos: a) O direito à saúde, por ser um direito social, não teria aplicação imediata e direta, dependendo de regulamentação pelo Legislativo ou de implantação de políticas públicas pelo Executivo; b) A determinação pelo Poder Judiciário à Administração Pública a implementar alguma ação visando à consecução do direito à saúde em prol de um indivíduo afrontaria a separação dos três poderes, porquanto o Judiciário estaria entrando no mérito administrativo; c) Diante da reserva do possível (escolha trágica na alocação de verbas públicas), não seria possível a implementação da medida favorecendo um indivíduo sem comprometer as verbas do orçamento destinadas a toda coletividade.
Para desconstituir as objeções acima apontadas, argumenta-se que mesmo os direitos sociais, por serem direitos fundamentais, possuem eficácia direta e imediata, art. 5º, §1º, CF, não podendo ficar a mercê da inércia da Administração Pública em concretizá-los. Ademais, tendo em vista o caráter normativo da Carta Magna de 88, os direitos nela reconhecidos devem ser concretizados (dupla dimensão dos direitos fundamentais). Desse modo, não haveria lesão ao princípio da separação dos poderes decisão do Judiciário que determina a Administração a implementar determinada política pública na área de saúde, haja vista que referida tutela nada mais é do que a concretização de um direito constitucionalmente previsto. Por fim, aponte-se que a reserva do possível não pode ser alegada de forma genérica, visando apenas retirar do Poder Público o dever de dar efetividade ao direito à saúde.
Resposta também muito bem fundamentada. Destaque para o belo desenvovimento da última pergunta. Gostei da ressalva de que em casos excpecionais o Poder Judiciário adentra no mérito administrativo para garantir a concretização do direito à saúde e também a citação de decisão do STF nesse sentido. Nada a acrescentar. Parabéns!
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA