Autor.: Alexandre Henry Alves
Índice: Redação de sentenças cíveis
Data..: 6 de Julho de 2018
Vamos lá:
Professor,
quando há resultado diferente para cada réu, e havendo condenação solidária em
apenas parte da condenação (como no exemplo que vou colocar abaixo), qual seria
a melhor forma de distribuir a condenação em custas processuais?
Penso no
seguinte exemplo:
Ana (A)
pede indenização por danos materiais e morais em face de Bruna (B), Carla (C) e
Denise (D).
Os pedidos
em face de "D" foram julgados inteiramente improcedentes.
"D" em nada sucumbiu.
"B"
foi condenada ao pagamento de indenização por danos materiais.
"B"
e "C" foram, solidariamente, condenadas ao pagamento de indenização
por danos morais.
Nesse
caso, como ficará a distribuição do pagamento das custas processuais?
E os
honorários?
Obrigada!
Vou desenvolver um pouco mais
aqui a resposta que publiquei no nosso fórum de debates do curso. Vamos
imaginar o caso que a nossa aluna criou nos seguintes termos, colocando
valores, para ficar mais claro o exemplo:
·
Autora: Ana
·
Rés: Bruna, Carla e Denise
·
Pedidos: a) condenação das rés, solidariamente, em indenização
por danos materiais no valor de R$ 30.000,00; b) condenação das rés,
solidariamente, em indenização por danos morais no valor de R$ 90.000,00
·
Valor da causa: R$ 120.000,00
Agora, vamos criar um
dispositivo de sentença que abrangesse um acolhimento total da pretensão de
Ana, mas não contra todas as rés:
Ante o
exposto, resolvo o mérito nos termos do art. 487, I, do CPC, para:
a) julgar parcialmente procedente o pedido de
indenização por danos materiais para condenar a ré Bruna a pagar à autora
indenização no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), corrigidos desde a
data do desembolso pelo IPCA e com incidência de juros simples de 1% (um por
cento) ao mês, também desde o desembolso das despesas com o conserto do veículo;
b) julgar parcialmente procedente o pedido de
indenização por danos morais, par condenar solidariamente as rés Bruna e Carla
a pagarem à autora indenização no valor de R$ 90.000,00 (noventa mil reais),
corrigidos monetariamente desde a presente data pelo IPCA, além de juros de
mora desde o evento danoso (data do acidente), calculados de forma simples em
1% ao mês.
No caso, eu não coloquei no
dispositivo da sentença o que era julgado improcedente por entender que isso
não é necessário (embora muitos juízes optem por descrever, no dispositivo,
também o que não foi acolhido).
Como ficaria então a questão dos
ônus da sucumbência? Vamos dividir a análise por partes.
a) Honorários de sucumbência:
Vejamos primeiro os honorários
advocatícios. Diz o CPC (destaquei):
Art. 86.
Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente
distribuídas entre eles as despesas.
Art. 87.
Concorrendo diversos autores ou diversos réus, os vencidos respondem proporcionalmente pelas despesas
e pelos honorários.
§ 1º A
sentença deverá distribuir entre os litisconsortes, de forma expressa, a responsabilidade proporcional
pelo pagamento das verbas previstas no caput.
§ 2º Se a
distribuição de que trata o § 1º não for feita, os vencidos responderão
solidariamente pelas despesas e pelos honorários.
A intenção do legislador com
tais dispositivos foi, a meu ver, evitar que a multiplicidade de partes em
qualquer dos polos pudesse fazer com que as condenações nas despesas e
honorários se tornassem mais relevantes do que a condenação principal. Imagine
que João entra com uma ação contra dez pessoas, pedindo indenização de R$ 100
mil, pedido esse acolhido na íntegra para condenar os réus, solidariamente, a
pagar esse montante. Se não houvesse distribuição proporcional dos honorários,
poderíamos chegar ao absurdo de cada réu ser condenado a pagar ao advogado do
autor 20% do valor da condenação, alcançando-se um montante de R$ 200 mil de
honorários, quantia maior do que a indenização pedida. Para evitar situações
assim, o Código de Processo Civil prevê a responsabilidade proporcional dos
litisconsortes (não importa o polo em que estejam). Mesmo a previsão do art.
87, § 2º, não afasta essa proporcionalidade, na medida em que o vencido que arcar
com tudo, por conta da solidariedade prevista nesse dispositivo, poderá acionar
os demais vencidos na sequência, nos termos do art. 283 do Código Civil.
Em síntese, havendo
litisconsórcio ativo ou passivo, o cálculo dos ônus da sucumbência deve levar
em conta o conteúdo econômico da causa, de modo que os honorários a que cada
polo (polo = conjunto de litisconsortes ativos ou passivos) ficar sujeito nunca
ultrapasse o limite de 20% desse conteúdo econômico, a não ser nas hipóteses do
art. 85, § 8º, do CPC (causas de valor inestimável ou de irrisório proveito
econômico).
Feitas essas observações de
ordem teórica, passemos então a aplicá-las ao fictício caso prático, na certeza
de que os exemplos são facilitadores da compreensão.
Vamos estabelecer que os honorários
naquele nosso modelo (o da Ana vs. Bruna + Carla + Denise) serão arbitrados em
10%, para facilitar as nossas contas. Como eu expliquei, a intenção do Código
de Processo Civil, a meu ver, é que os honorários sejam estabelecidos entre 10%
e 20% do conteúdo econômico da causa. Como adotamos os 10% e como nossa lide
envolve pedidos da ordem global de R$ 120.000,00 (soma das indenizações
pretendidas), os honorários totais que serão distribuídos aos advogados
envolvidos em cada polo devem ser de, no máximo, R$ 12.000,00 por polo.
É preciso, pois, analisar cada
uma das lides para verificar como ficará a questão dos honorários.
1)
Ana x Denise: Ana pediu a condenação de
Denise ao pagamento total de R$ 120.000,00 (somatório das duas indenizações),
solidariamente com as duas outras rés. Isso significa que, se o pedido fosse
totalmente procedente, as três rés seriam condenadas a pagar R$ 120.000,00. Só
que o CPC diz que a responsabilidade é proporcional, o que significa que, para
fins de despesas e honorários, cabe dividir esse valor total por três, pois são
três pessoas no polo passivo. Assim, no caso de procedência total das
pretensões da autora, caberia condenar Denise a pagar ao advogado de Ana
honorários calculados em 10% sobre 1/3 da condenação, ou seja, sobre R$
40.000,00. Como Denise foi, na verdade, vencedora da lide contra Ana, esta é
que será condenada a pagar ao advogado de Denise honorários calculados em uma
porcentagem sobre 1/3 do valor corrigido da causa. Uma possibilidade de redação
seria a seguinte, que estabeleceria o valor de R$ 4.000,00 para o patrono de
Denise:
Tendo sido
julgados improcedentes os pedidos da autora contra a ré Denise, condeno a
autora a pagar ao advogado da ré honorários advocatícios calculados em 10% (dez
por cento) sobre 1/3 (um terço) do valor atualizado da causa, nos termos do
art. 87 do CPC.
2)
Ana x Bruna: Bruna sucumbiu totalmente
diante de Ana, já que foi condenada a pagar sozinha a indenização por danos
materiais (R$ 30.000,00) e ainda foi condenada a pagar solidariamente com Carla
a indenização por danos morais (R$ 90.000,00). Isso significa que ela será
condenada a pagar R$ 12.000,00 para o advogado de Ana? Não! Vamos condená-la a
pagar 10% sobre o valor total da indenização por danos materiais, já que ela
sucumbiu sozinha em relação a esse pedido, e vamos condená-la a pagar 10% sobre
a metade do valor da indenização por danos morais, vez que, nesse caso, Carla
sucumbiu junto com ela. Com isso, o valor nominal a que Bruna estará sujeita, a
título de honorários de sucumbência, sem contar correção e juros, será de R$
7.500,00 (10% x 30 mil + 10% x 45 mil). Exemplo de redação possível:
Condeno a
ré Bruna a pagar ao advogado de Ana honorários advocatícios calculados em 10% (dez
por cento) sobre o valor integral da condenação por danos materiais, mais 10% (dez
por cento) sobre metade do valor da condenação por danos morais, nos termos do
art. 87 do CPC.
3)
Ana x Carla: nesta última relação
processual, há um complicador, pois a sucumbência foi recíproca. Como não há
compensação de honorários (CPC, art. 85, § 14), cada uma delas deverá ser
condenada. A sucumbência de Carla foi relativamente à indenização por danos
morais, solidariamente com Bruna. Por isso, vamos condená-la a pagar honorários
advocatícios calculados em 10% sobre a metade dessa indenização, o que dará,
sem contar juros e correção monetária, o valor de R$ 4.500,00. Por outro lado,
a sucumbência de Ana em relação a Carla foi no tocante à indenização por danos
materiais. Por isso, vamos condenar Ana a pagar honorários de sucumbência
calculados em 10% sobre o valor desse pedido, dividido por três, já que Carla
não arcaria sozinha com a indenização na hipótese da pretensão de Ana ser
acolhida na íntegra contra todas as rés. Isso daria, sem contar juros e
correção, honorários de R$ 1.000,00 em favor do advogado de Carla (10% x 30 mil
x 1/3). Redação possível para a sentença:
Em virtude
da sucumbência recíproca, condeno Carla a pagar honorários de sucumbência em
favor do advogado de Ana, calculados em 10% sobre a metade da indenização por
danos morais, nos termos do art. 87 do CPC. Condeno ainda Ana a pagar
honorários de sucumbência em favor do advogado de Carla, calculados em 10% de
1/3 (um terço) do valor atualizado do pedido referente à indenização por danos
materiais, também nos termos do art. 87 do CPC.
Nosso quadro de condenações
ficaria assim então, levando-se em conta apenas os valores nominais, sem juros
ou correção monetária:
|
Condenações contra o polo
ativo |
Condenações contra o polo
passivo |
Ana x Bruna |
- |
R$
7.500,00 |
Ana x Carla |
R$
1.000,00 |
R$
4.500,00 |
Ana x Denise |
R$
4.000,00 |
- |
TOTAL POR POLO |
R$ 5.000,00 |
R$ 12.000,00 |
Observe que, no final das
contas, o advogado de Ana irá receber R$ 12.000,00 de honorários, que
correspondem a 10% sobre o conteúdo econômico da causa, uma vez que Ana
receberá todas as indenizações pretendidas. Por outro lado, Ana pagará R$
5.000,00 de honorários para os advogados de Carla e Denise, já que, em relação
a elas, suas pretensões não foram julgadas todas procedentes.
Parece complicado, e é um pouco
mesmo, mas a prática leva à redação de sentenças com mais facilidade, mesmo em
casos complexos assim. Basta ter em mente que o CPC determina que cada parte
arque com despesas e honorários na proporção de sua respectiva sucumbência
(art. 86) e que os litisconsortes também respondem de forma proporcional, entre
eles, pelos ônus da sucumbência (art. 87).
b) Custas:
O cálculo das custas pode
diferir um pouco daquele aplicado para os honorários, pois, em regra, a soma
das condenações de todos os polos não pode ultrapassar o total das custas
legalmente previstas. Suponhamos que o nosso caso de exemplo esteja correndo em
um Estado que estabeleça custas nos mesmos patamares daquelas cobradas pela
União Federal para ações cíveis em geral, ou seja, 1% (um por cento) sobre o
valor da causa. A não ser em casos excepcionais, como se dá na hipótese do art.
14, § 2º, da Lei nº 9.289/1996, o total das custas no nosso exemplo seria de R$
1.200,00 (valor da causa = R$ 120.000,00). Não importa o que aconteça na ação,
esse montante não pode ser ultrapassado.
O caminho é ver o quanto cada
polo foi vencedor. No nosso exemplo, seria assim:
|
Polo ativo |
Polo passivo |
Foi perdedor em quanto? |
0% (R$ 0,00), pois Ana vai
receber tudo o que pediu. |
100% (R$ 120.000,00), pois
Bruna vai pagar toda a indenização por danos materiais e, junto com Carla,
vai pagar também o que foi pedido a título de danos morais. |
Isso significa que, em relação
às custas, o polo ativo arcará com 0% e o polo passivo arcará com 100% delas.
Agora, basta dividir isso proporcionalmente pela sucumbência de cada
litisconsorte e chegaremos ao que deve ser estabelecido a título de custas.
Litisconsorte |
Proporção de sua sucumbência dentro do polo |
Bruna |
62,5% Cálculo: R$ 30 mil de
danos materiais e metade de R$ 90 mil de danos morais, totalizando R$ 75 mil
reais, que correspondem a 62,5% do conteúdo econômico da causa, que era de R$
120.000,00. |
Carla |
37,5% Cálculo: metade de R$ 90
mil de danos morais, o que corresponde a 37,5% do conteúdo econômico da causa,
que era de R$ 120.000,00. |
Denise |
0,0 % (ela não sucumbiu em nada) |
Uma possibilidade de redação
para a sentença, no tocante às custas, considerando nosso exemplo fictício,
ficaria assim:
As custas
serão arcadas pelas rés Bruna e Carla, na proporção respectiva de 62,5% e 37,5%,
nos termos do art. 87 do CPC.
Novamente, destaco que parece
algo bastante complicado, mas respeitar a determinação do Código de Processo
Civil exige que a condenação seja feita dessa forma. Claro, no caso de lides
mais complexas, poderíamos adotar uma redação que não envolvesse cálculos
aritméticos, bastando dizer o seguinte:
Tendo em
vista que a autora irá receber todo o conteúdo econômico pretendido, bem como o
fato da ré Denise não ter sofrido qualquer condenação, as custas serão arcadas
pelas rés Bruna e Carla, de forma proporcional à sucumbência de cada uma delas,
nos termos do art. 87 do Código de Processo Civil.
Essa redação facilita bastante a
vida tanto do magistrado, no caso de prolação de uma sentença real, quanto do
candidato em uma prova de concurso, evitando, neste último caso, o cometimento
de algum erro de cálculo.
c) Outras despesas:
É possível que o feito envolva
também outras despesas, como é o caso de honorários periciais. Nessa hipótese,
haverá a aplicação das mesmas regras já trabalhadas em relação às custas, mas
com o cuidado devido para o fato de que a despesa pode ter sido provocada por
uma parte específica, que com ela arcará sozinha.
No nosso exemplo, imaginemos que
o caso diz respeito a um acidente de trânsito em que Ana juntou, como prova, as
filmagens de uma câmera de estabelecimento comercial que registrou o sinistro.
Denise, em sua defesa, alegou que não pode ser condenada porque estava no banco
de trás do carro, que era de propriedade de Carla e estava sendo dirigido por
Bruna. Logo, não agiu de maneira a provocar o acidente. Mas, além dessa defesa,
Denise alega que as filmagens apresentadas por Ana foram forjadas, requerendo
que elas sejam submetidas a uma perícia judicial. Essa alegação, por sua vez,
não é apresentada nem por Bruna e nem por Carla. No final das contas, é feita
uma perícia que conclui pela autenticidade do registro da câmera, mas o juiz
considera procedente a outra alegação de Denise, no sentido de que ela não
provocou nenhuma ação que causasse o acidente.
Nessa hipótese, Denise será
condenada nas custas? Não, já que, conforme vimos, ela não sucumbiu. Mas, quem
arcará então com os honorários do perito? Será Denise, vez que ela deu causa à
realização do ato, já que foi a única a colocar em dúvida a autenticidade das
filmagens. Ana, mesmo não sendo vencedora na lide contra Denise e mesmo sendo
condenada a pagar honorários advocatícios para o defensor dela, não deverá
arcar com os honorários periciais, já que não deu causa a eles. Bruna e Carla,
por sua vez, não colocaram em dúvida a autenticidade das filmagens. A despesa
fica, então, com Denise, a meu ver.
Mas, essa é uma hipótese relativamente
rara. Em regra, as demais despesas processuais seguirão o mesmo rumo das
custas.
Alexandre Henry
Professor do JusTutor e Juiz
Federal
Como fazer a referência bibliográfica a este
texto:
ALVES, Alexandre
Henry. Ônus da sucumbência quando há
litisconsórcio. Disponível em